‘Não tinha tempo ruim para Speed’, diz o escritor Pedro de Luna
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É impressionante a trajetória de Claudio Marcio de Souza Santos, conhecido na cena hip-hop como Speed ou ainda Speedfreaks, rapper, produtor e videomaker que viveu de maneira intensa a cultura alternativa do Rio de Janeiro. Sua história está registrada na biografia: “Eu sou assim Eu sou Speed” (Ilustre Editora, 160 páginas, FR$ 40), de Pedro de Luna e Rafael Porto, lançada quase dez anos Rapós a morte do polêmico artista.
No final da década de 1980, quando o rap brasileiro engatinhava, Speed começou sua viagem na cena underground da cidade de Niterói (RJ), influenciado pelo rock inglês do cantor Morrissey, dos Smiths, entre outras referências.
Nascido em 1972, Claudio e seus parceiros DJ Rodrigues e Black Alien subverteram o rap brasileiro com a banda Speed Freaks em 1990. Mas foi em 1994, quando a banda já não existia, que a experimentação de Speed e Black Alien ganhou notoriedade na coletânea “No Major Babes Vol.1”.
Além de participar do Planet Hemp, Speed trabalhou em projetos de bandas que fizeram a história do rock nos anos 90. O livro “Eu sou assim Eu sou Speed” registra as jam sessions, shows e gravações com artistas como Otto, Rumbora, Chico Science & Nação Zumbi, Charlie Brown Jr., Raimundos, Gilber T, Daniel Bozzio e Alexandre Basa, entre outros.
No rap, o artista trabalhou com Marcelo D2, BNegão, Max. B.O., Rodrigo Brandão, Rappin’ Hood, Lurdez da Luz, Tigrão, Paulo Napoli, Marechal, Jacksom e De Leve. A produção de Speed ganhou maiores proporções quando o artista mudou-se para São Paulo em 1999, ano de fundação do site Bocada Forte. Speed lançou o CD “Expresso”, além de criar o grande sucesso comercial “Quem que caguetou”, em parceria com Black Alien e Tejo (Instituto). O rapper foi assassinado em 26 de março de 2010.
Ouça a música “Quem que caguetou”, de Speed com Tejo e Black Alien
“Como o próprio Marcelo D2 me disse durante as entrevistas para a biografia do Planet Hemp, ‘o Speed era do Planet Hemp como qualquer um’. Ele foi um artista pioneiro na cena de Niterói por que, antes de tudo, era curioso e interessado. Buscou a sua turma, começou a andar com as pessoas mais antenadas em skate, música, quadrinhos e toda a cultura alternativa. Ao se juntar com Gustavo e o DJ Rodrigues na banda Speed Freaks, eles criaram uma nova escola de rap underground”, afirma Pedro de Luna em entrevista ao Bocada Forte.
Nesta quinta-feira (15), vai rolar o lançamento da biografia “Eu sou assim Eu sou Speed” no Espaço Paranóis, na Vila Romana, zona oeste de São Paulo.
Pedro revelou ao BF que sua equipe vai fazer um evento extra na sexta (16). A parada vai acontecer no Bomber Pub, na Rua Teodoro Sampaio, 468, esquina com Oscar Freire, a partir das 19h30. Leia a entrevista com o jornalista Pedro de Luna.
Bocada Forte: A ideia de fazer um livro sobre Speed surgiu durante a construção de outras obras sobre a cena do Rio de Janeiro como, por exemplo, os livros ”Brodagens” (Ilustre Editora, 2016) e “Planet Hemp: Mantenha o Respeito” (Belas-Letras, 2018). Qual foi a gatilho que te fez pesquisar e escrever sobre o rapper?
Pedro de Luna: A biografia “Eu sou assim Eu sou Speed” é o meu décimo livro e o primeiro do cineasta Rafael Porto. Então, de certa forma, ele é o resultado de um acúmulo de pesquisas e experiências. O Speed apareceu com destaque no meu primeiro livro, “Niterói Rock Underground 1990-2010”, por que ele foi assassinado em 2010 e a obra saiu em 2011.
Com o passar do tempo foi aumentando o meu interesse por ele, desabrochando de vez no “Brodagens”, quando tracei as histórias do rap e do rock no Rio tendo como fio condutor o músico Gilber T, o cara que ensinou o Speed a tocar, e que hoje é guitarrista na banda do BNegão.
Isso tem acontecido direto comigo: quando estou pesquisando para um livro, de acordo com as descobertas, eu começo a me interessar por alguém, um tema ou um local em especial. Tanto que, durante as entrevistas para a bio do Planet, eu sempre fazia uma ou duas perguntas sobre o Speed, para confirmar se ele era mesmo uma figura ímpar que merecesse um livro só dele. Hoje eu não tenho a menor dúvida disso.
BF: Desde o final dos anos 1980, Speed atuou de maneira intensa, independente e criativa na cena underground. Você acompanhou as transformações e misturas da cena dos anos 1990. Além do rap, qual a importância dele nesse caldeirão cultural?
Pedro de Luna: Como o próprio Marcelo D2 me disse durante as entrevistas para a bio do Planet Hemp, “o Speed era do Planet Hemp como qualquer um”. Ele foi um artista pioneiro na cena de Niterói por que, antes de tudo, era curioso e interessado. Buscou a sua turma, começou a andar com as pessoas mais antenadas em skate, música, quadrinhos e toda a cultura alternativa. Ao se juntar com Gustavo e o DJ Rodrigues na banda Speed Freaks, eles criaram uma nova escola de rap underground.
Poucos sabem, mas o Speed era muito amigo do Skunk, criador do Planet, e tem duas fotos que eu adoro sobre esse momento. Ambas são de 1993 na boate Dr. Smith, porém em noites diferentes. Numa, o Speed aparece com o Skunk, D2 e Rafael Crespo conversando com o Miranda – que na época era “o cara” da Banguela Records. Em outra, Speed está abraçado a Gustavo Black e o jovem D2. São fotos da Elza Cohen, criadora do selo e festival SuperDemo, outra pessoa fundamental nessa história.
Mas voltando à pergunta, acho que ele tem vários méritos, inclusive o de correr atrás das oportunidades por conta própria. Ele pedia para gravar no disco e cantar nos shows dos outros na maior cara de pau. Estava sempre se agenciando, se vendendo. Quando ele se mudou para São Paulo com o Black Alien, ficou ainda mais autodidata, aprendendo a gravar, mixar, produzir e tudo o que fosse possível aprender. O seu disco “Expresso” (2001) foi feito na brodagem reunindo a nata do hip hop à época.
Ao voltar para Niterói, após oito anos em Sampa, ele produziu aos montes, lançando muitas músicas e videoclipes por conta própria, sem recursos, empresário ou uma grande gravadora por trás. Pelo contrário, criou o seu selo independente Speed’sHitS por onde vendia CD-Rs e camisetas com artes criadas por ele mesmo. Na minha visão o Speed representa, para o rap e o rock, o verdadeiro espírito “faça-você-mesmo”.
BF: Qual a maior dificuldade para elaboração do livro, com tantos depoimentos, histórias que se cruzam e contos sobre músicas que não foram lançadas? Qual foi o fio condutor?
Pedro de Luna: A maior dificuldade foi a escassez de registros sobre o Speed, por três motivos. Primeiro, por que nos anos 1990 não havia o digital, então as pessoas fotografavam, filmavam e digitalizavam muito pouco. Além disso, nem tudo que a imprensa oficial ou underground da época noticiou está na internet, e sim em acervos pessoais. Se a pessoa não escanear e postar, não adianta “dar um Google”.
Segundo, por que o Speed não dava tantas entrevistas, tirava fotos ou fazia tantos shows quanto o Black Alien, que também era do Planet Hemp. Por acaso, quando os dois se mudaram para São Paulo, em 1999, eu já morava na cidade desde 1998. Numa época analógica, ninguém sabia lá em Niterói o que estava acontecendo por aqui. O máximo que tínhamos era e-mail e SMS, o celular ainda era caro e as ligações interurbano também. Logo, a trajetória profissional do Speed foi pouco documentada.
A terceira dificuldade foi o fato dele estar morto há quase 10 anos. Biografar alguém assim é complicado por que você não pode fazer perguntas ao biografado. Isso sem falar que muita gente do círculo dele já estava longe, então tivemos que ralar muito para localizar as pessoas e insistir para que compartilhassem as suas fotos, panfletos, matérias e o que mais tivessem guardado. Um desses achados foi o fotógrafo Bruñel Galhego, que cedeu lindas fotos de um ensaio com a dupla na Avenida Paulista em 2001, e também um álbum de 1999 em Niterói com fotos dos dois e mais o DJ Castro, que foi emprestado pela Lia, única irmã do Speed. Gostaria também de frisar que focamos inteiramente na carreira e na obra do Speed, sem entrar na seara pessoal. Não falamos, por exemplo, sobre a sua filha e a mãe dela. Nosso objeto de estudo foi somente a trajetória profissional do Claudio e o seu legado.
BF: Dez anos após o assassinato do Speed, a polícia ainda não encontrou o autor dos disparos. A que se deve este fato? Como diria Racionais, Speed era só mais um rapaz comum?
Pedro de Luna: Eu acredito que, quando a polícia quer, ela acha. Então, infelizmente, ainda é necessária muita pressão da opinião pública para que casos como esse sejam desvendados. Um exemplo é o caso Marielle Franco. Mais de 500 dias após o assassinato dela e do motorista, o caso não foi concluído. Assim como ninguém sabe aonde está o Queiroz. Sobre o episódio do assassinato, uma curiosidade é que além do Speed, uma outra pessoa foi morta na mesma madrugada, e o seu corpo colocado no mesmo valão. Era um cabeleireiro chamado Ramon. Na época, as pessoas pensaram que era o De Leve, que também se chama Ramon e estava gravando direto com o Speed naquele período.
Com o lançamento do livro e, ano que vem, do documentário do Rafael Porto, esperamos jogar luz ao caso não apenas para saber o que de fato aconteceu e como, mas para que o Speed tenha o reconhecimento tardio que tanto buscou em vida. Seria muito legal, por exemplo, se criassem em Niterói o Dia Municipal do Rap e mudassem o nome da pista de skate de São Francisco para Black Alien & Speed.
Speed era um artista muito antenado e sem preconceitos. Ele amava funk mais que tudo, o funk original, tipo George Clinton. Ele estava sempre em busca de notoriedade e se adaptava facilmente às tendências
BF: Hoje o rap conquistou mais notoriedade. Se estivesse vivo, acha que Speed se adaptaria ao cenário atual, com plataformas de streaming, novos artistas, novos temas e gêneros como o trap?
Pedro de Luna: Sem dúvida! Speed era um artista muito antenado e sem preconceitos. Ele amava funk mais que tudo, o funk original, tipo George Clinton. Ele estava sempre em busca de notoriedade e se adaptava facilmente às tendências. Tanto que, numa época em que ele ainda fazia shows com o Black Alien em São Paulo, os dois criaram três tipos de apresentação: rap, Miami Bass e uma versão mais jungle, drum and bass, para as pistas de dança. Foi quando cantaram em locais como a antiga boate Lov.E, onde DJs como Marky Mark e Patife eram residentes, e eventos de música eletrônica.
Quando o DJ Soulslinger criou a rave “Ecosystem”, na Amazônia, a dupla de Nikiti deu um jeito de ser convidada e fez show por lá. Segundo o próprio Speed me contou em 2001, o TC Slam (filho do Afrika Bambaataa) disse que ele, Gustavo e Max BO eram os melhores MCs do Brasil. O Speed não tinha modéstia nem papas na língua (risos).
Para o Speed não tinha tempo ruim. Se estava pagando, ele ia lá e cantava. Ao vivo ou em estúdio. Ele tinha noção de que a sua música era o seu maior patrimônio e o que ele deixaria de melhor para a posteridade. E assim o fez.
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