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Meire D’Origem fala sobre ‘Sempre Estive Aqui’, seu primeiro EP solo

Meire D’Origem fala sobre ‘Sempre Estive Aqui’, seu primeiro EP solo

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Diretamente de São José dos Campos, Meire D’Origem carrega em sua trajetória mais de duas décadas dedicadas ao Rap, à Cultura Hip-Hop e à arte como ferramenta de transformação social. Com uma carreira marcada pela militância, inovação e pioneirismo, a MC, arte educadora, produtora cultural e comunicadora acaba de lançar seu primeiro disco solo, o EP ‘Sempre Estive Aqui’.

O projeto é uma celebração da caminhada, um manifesto de esperança e resistência. Em meio ao boombap, trap e funk, Meire narra a realidade da mulher negra periférica e ressignifica dores em versos precisos e flows afiados. No mês do Hip-Hop, o lançamento vem acompanhado de parcerias poderosas e reafirma seu compromisso com a representatividade feminina e a valorização das vozes das quebradas.

Nesta entrevista ao Bocada Forte, Meire D’Origem nos conta sobre sua história, as inspirações para o disco, as lutas e conquistas que marcaram sua carreira, além de refletir sobre o impacto da Cultura Hip-Hop em sua vida e na sociedade.

BF: O que representa para você lançar seu primeiro trabalho solo, “Sempre Estive Aqui”, após 23 anos de carreira?

Meire: Com toda certeza é a realização do sonho coletivo, é a profecia se concretizando. Creio que essa realização mostra o quanto somos capazes e que podemos realizar tudo aquilo que queremos, mesmo com as dificuldades que, sobretudo, mulheres negras, periféricas e, como no meu caso, interioranas encontram no caminho. Desejo que esse álbum represente outras mulheres, as mova, comova e as impulsione a lutarem por seus sonhos, seja na música, na vida ou na arte em geral.

BF: O EP aborda temas como esperança, superação e ressignificação de dores. Como essas mensagens se conectam com sua trajetória pessoal e artística?

Meire: Eu canto o que vivo e sinto, e nem poderia ser diferente, já que o Rap na minha vida sempre esteve neste lugar da liberdade de expressão e, como eu sempre digo, esse “divã”, a possibilidade de externarmos, tocarmos e, a partir da gente mesmo, nos curarmos e promovermos cura para nossos pares. Para que mulheres como eu, bem como homens que vêm das margens da sociedade e que foram silenciados ou desacreditados, possam ter suas vozes ouvidas a partir da minha voz. Isso é Rap pra mim, esse é o meu Rap: esperança, acolhimento e resiliência.

BF: Você menciona a importância de concretizar o sonho de suas ancestrais. Como essa conexão com a ancestralidade influenciou o processo criativo do disco?

Meire: Infelizmente, a história conta que mulheres como eu, num passado próximo, foram subjugadas e queimadas na fogueira da inquisição. Essas mulheres eram minhas, suas, nossas ancestrais. Essas mulheres foram silenciadas, oprimidas, mortas, com o sonho de que um dia suas vozes fossem ouvidas e que a liberdade em diversas camadas fosse mais que um sonho, fosse uma realidade. Essa realidade sou eu. Sim, eu sou o sonho das minhas ancestrais. Acho que, depois de tanta dor e tanta luta, o mínimo que posso fazer é honrar o legado de quem veio antes, e tento fazer isso através da minha música. Além do mais, como uma mulher afro-brasileira, filha de baiano, cria da periferia, encontrei no passado a força para entender meu presente e construir meu futuro. Eu falo isso na música: O Rap é meu divã, é a filosofia Sankofa.

BF: O álbum mistura boom bap, trap e funk. Como você escolheu esses estilos e o que eles representam para a narrativa do projeto?

Meire: Na realidade, são os estilos que me cercam e me encantam. Nem teria como ser diferente. Sou mãe de uma jovem mulher de 20 anos, a Juuh. Além disso, moro e transito desde sempre na periferia, onde a música que toca, no som, na alma e nos corações são essas, são esses estilos. Além disso, eu acredito no poder da conexão através do som. E eu quis trazer esse mungunzá pro meu álbum, propositalmente, até pra levantar o debate. Talvez assim algumas pessoas saiam de suas bolhas e entendam que música é sempre música e ultrapassa as nações, como eu e Preta Ary já cantávamos no álbum “Se Renda”, do D’Origem, de 2013. Além do mais, quando experimentamos algo diferente, nos damos a oportunidade de sair da nossa zona de conforto, não é?

BF: Há várias colaborações no EP, como Preta Ary, MC WF e Bah Miirad. Como essas parcerias contribuíram para a construção do projeto?

Meire: Me encanta, como dito anteriormente, a possibilidade de me conectar com outras almas, outras mentes, a partir da música, e, claro, dar a oportunidade para outras pessoas sentirem a emoção que eu sinto toda vez que escrevo algo, gravo algo e me comunico através da música. Esse álbum conta com cinco participações. MC Versa e Preta Ary já são da música e são grandes referências para mim. No entanto, eu quis sair do óbvio e dar a oportunidade de pessoas que nunca antes tinham entrado num estúdio ou se ouvido em uma plataforma participarem deste momento ao meu lado, como é o caso da minha sobrinha postiça Lina Andrade, minha amiga pessoal Bah Miirad e o MC WF, que, por sinal, é PCD e nunca tinha entrado em um estúdio. Aliás, nem um desses três. E posso afirmar que essa é uma das minhas maiores satisfações neste projeto. São pessoas que foram silenciadas, pessoas pretas, à margem, pessoas que escreviam para si e pessoas que me apoiam de longa data. Esse álbum foi construído desde 2018. Isso, por si só, mostra as dificuldades, mas também a crença e a fé de todas essas pessoas na verdade da minha arte.

BF: Quais foram os maiores desafios enfrentados durante a produção do álbum e como você os superou?

Meire: As primeiras duas faixas foram gravadas em 2018, uma em 2021 e as outras agora, em 2024. Ou seja, foram longos seis anos enfrentando desafios diários. Nesse meio tempo, teve pandemia, fui diagnosticada com hipertireoidismo e ansiedade, perdi minha avó, dois tios e meu pai faleceram, passei por três cirurgias após acidente de moto e por aí vai. Ou seja, tinha tudo pra não dar certo, mas deu, porque nunca foi opção desistir. E que bom que eu vivi pra sentir toda essa emoção. Foi um parto de seis anos. Pensa quando enfim pari? Muitas emoções…

BF: Você se define como arte educadora, produtora cultural e MC, entre outras funções. Como essas diferentes facetas contribuem para sua música?

Meire: Todas as minhas facetas desaguam na minha música. Costumo dizer que não sou arte educadora, estou. Não sou produtora cultural, estou. Eu sou MC, sou rapper. As outras coisas todas são para a manutenção da minha arte e da minha família.

BF: Ao longo da sua carreira, você participou de projetos importantes como as cyphers “Engatilhadas” e “Efeito Borboleta”. Qual é o impacto dessas iniciativas no rap feminino?

Meire: Uma vitrine poderosa. Creio que muitas de nós, assim como eu, puderam ser visibilizadas a partir dessas iniciativas. Lamento que ainda seja em um ritmo muito lento no que diz respeito ao rap feito por mulheres, mas ainda assim, que bom existam tais iniciativas. Torço pra que haja mais, afinal, tem muita mina foda fazendo rap nos interiores e Brasil afora.

BF: O que significa para você ter criado a primeira batalha feminina de rimas do Vale do Paraíba? Como isso reflete sua visão sobre o espaço das mulheres no Hip-Hop?

Meire: Na verdade, não fui eu, fomos nós, várias minas, vários braços fortes. A “Na Caneta ou no Batom” nasce a partir do coletivo Triluna, um coletivo de mulheres do Hip-Hop aqui de São José dos Campos, composto por mim e mais outras 12 mulheres de todos os elementos do Hip-Hop. A batalha nasceu com o propósito de ser um espaço seguro e acolhedor para manas e monas da Cultura Hip-Hop, dar visibilidade e empoderá-las. Essa é a Filosofia Ubuntu: Eu sou porque nós somos.


BF: Você tem uma trajetória marcante na arte desde os 15 anos, começando na igreja. Como foi essa transição para o Hip-Hop e como ele mudou sua vida?

Meire: Na verdade, eu fui pra igreja por causa do Rap, num momento caótico da minha adolescência, no qual eu tinha acabado de assinar uma passagem por receptação e estava imersa na criminalidade. Já não morava com meus pais há alguns anos, por conta de alcoolismo e violência doméstica, mas essa história fica pra próxima (risos). Enfim, minha irmã me convenceu a ir nessa igreja por conta do Rap. Lá eu iniciei meu primeiro trampo, depois o Rap ficou, a criminalidade e a igreja não. Mas foi um divisor de águas, sem dúvidas. Que bom!

BF: Você participa de coletivos como Triluna, Resistência Preta e FNMH2. Qual é o papel desses grupos no fortalecimento do Hip-Hop e da luta das mulheres negras?

Meire: O coletivo Triluna é formado por mulheres de várias etnias, bem como a FNMH2, já o Resistência Preta, por mulheres negras. Em todos, nossa missão é agregar, abrir debates necessários para a construção de uma cultura mais inclusiva e igualitária, fortalecer nossas bases e formar, sobretudo, a juventude. Nossas ações vão além de fomentar a cultura hip hop, como também debater a arte como ferramenta de emancipação, transformação social e individual.

BF: Como a experiência de ser comunicadora e arte educadora molda sua abordagem como artista no Rap?

Meire: Acredito que seja um misto de uma coisa só, até porque o Rap é minha maior ferramenta de comunicação, e a arte-educação vem do Rap. Como eu disse acima, todas as minhas ações desaguam na música rap. Além disso, o programa SindCT na Cultura, no qual sou produtora e comunicadora, me permite conhecer pessoas e histórias que impactam significativamente na construção do meu som.

BF: Que impacto você espera que “Sempre Estive Aqui” tenha no público, especialmente nas mulheres negras periféricas?

Meire: Que elas se sintam representadas, fortalecidas e encorajadas a não desistirem dos seus sonhos e objetivos para além da música. Que minhas palavras ecoem e que todas as pessoas possam refletir sobre as muitas pautas abordadas em cada faixa.

BF: Quais são seus planos futuros após o lançamento do álbum? Podemos esperar novos clipes ou projetos paralelos?

Meire: Muitos projetos, porque sou hiperativa e passei muitos anos esperando pela oportunidade e o momento de colocar coisas no mundo, hehe. Hora pela maternidade, hora pela falta de recurso financeiro, hora por questões da vida. Então, agora é marcha. Quero experimentar, sair da minha zona de conforto e fazer tudo o que me foi negado enquanto eu puder. Mas pra já, tem clipe de uma das faixas do álbum pra sair. Também tem uma colab com Jé Versátil e Mahazi, tem um hardcore com a banda Anversa que vamos lançar em breve. E eu pretendo finalizar minha faculdade de jornalismo, para devolver pra arte aquilo que ela me dá todos os dias: possibilidades.

BF: O que você diria para artistas iniciantes que sonham em trilhar um caminho no Rap, especialmente mulheres enfrentando desafios no mercado?

Meire: Não deixem de acreditar no seu potencial. Faça primeiro para você e por você. Quando a gente está feliz e realizada, não há adversidade que perdure. Ame o que você faz, dedique-se, apaixone-se todos os dias por sua arte e veja beleza até na luta, porque no final tudo é poesia, e as lutas e adversidades nos forjam. Força e muito axé!