LGBTIs, políticos evangélicos e pautas conservadoras: O que o Hip-Hop tem a ver com isso?
ESPALHA --->
Em 13 de junho, o STF (Supremo Tribunal Federal) enquadrou a homofobia e a transfobia na lei dos crimes de racismo. Na manhã do dia seguinte, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o STF cometeu um equívoco ao criminalizar a homofobia e voltou a defender que a corte tenha um ministro evangélico.
Bolsonaro entra para a história como o primeiro presidente a participar da Marcha para Jesus. Embora seja católico, o político do PSL, partido de direita com a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados (52), agradeceu o eleitorado evangélico pelo apoio que garantiu sua eleição em 2018. Após o evento religioso, o presidente – que voltou a fazer o gesto em que simula segurar uma arma – também falou sobre sua possível reeleição.
“Se tiver uma boa reforma política eu posso até jogar fora a possibilidade de reeleição. Agora, se não tiver uma boa reforma política e se o povo quiser, estamos aí para continuar mais quatro anos”, disse Bolsonaro.
Na política desde o final dos anos 1980, o presidente sabe que vem de longe a influência dos evangélicos na elaboração de propostas conservadoras. Mas a pergunta que sempre fazemos é: O que o Hip-Hop tem a ver com isso?
Como afirmamos em reportagem anterior, o rap brasileiro hoje é rico em diversidade e tem artistas LGBTIs criando e ajudando a formar o discurso contra o preconceito e a violência. Viabilizar seus trabalhos e valorizar suas lutas é fundamental para uma mudança efetiva na cultura de rua.
UM POUCO DE HISTÓRIA
1988 entra na história do Hip-Hop brasileiro como o ano de lançamento de duas das três primeiras coletâneas de rap do país (Hip Hop Cultura de Rua e O Som das Ruas).
Enquanto o canto falado em cima de batidas eletrônicas e samples engatinhava por aqui, novas configurações estavam em formação no país. No final da década de 1980, a ascensão de grupos evangélicos começava a moldar a política do Brasil. No Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro seria eleito vereador.
NOVA CONSTITUIÇÃO
Em 5 de outubro de 2018, comemorou-se 30 anos da promulgação da Constituição de 1988. A formatação do texto da lei foi definida, à época, pela Assembleia Nacional Constituinte, presidida por Ulisses Guimarães.
Mas um dos aspectos que mais chamaram a atenção nessa assembleia – formada após a eleição do Congresso Constituinte, em 15 novembro de 1986, e incumbida de traçar as leis do país após 21 anos de ditadura – foi a atuação dos 33 parlamentares evangélicos, que deu novo rumo à cena política.
Com uma pressão conservadora e ativismo de cunho moralista, a representação dos “crentes” se fez presente no Congresso após o boato de que a Igreja Católica iria influenciar a Constituinte a decretar o catolicismo a religião oficial e única do país.
A presença da “nova classe” no Congresso marcou os trabalhos da Assembleia, que, segundo os parlamentares evangélicos, deveria construir uma Constituição baseada na Bíblia.
As articulações dos deputados evangélicos – que formavam a quarta maior bancada da Constituinte num universo de 559 constituintes – conquistaram destaque na mídia, rompendo os limites dos programas de rádio e TV comandados por pastores e das publicações impressas voltadas à base popular cristã.
O ENCONTRO
Já no início dos trabalhos da Assembleia Constituinte, em fevereiro de 1987, foi registrada uma reunião do bloco parlamentar evangélico, composto por deputados de PMDB, PFL, PDT, PTB, PDC e PT, em Brasília, na casa do deputado Daso Coimbra (PMDB-RJ), então o mais antigo parlamentar evangélico – na época, ele estava na sétima legislatura.
No encontro, os políticos decidiram fazer lobby no Congresso constituinte em assuntos como aborto, combate às drogas, ao jogo e à pornografia nos meios de comunicação.
Com poucos políticos de esquerda, como Benedita da Silva (PT-RJ) e Lysâneas Maciel (PDT-RJ), e sem a presença de luteranos, metodistas e episcopais, a bancada religiosa não foi apresentada como protestante, mas sim como evangélica.
ARTICULAÇÕES CONSERVADORAS
Após anunciar que trabalhava em nome da maioria da sociedade e que representava a ideia de mudança, a bancada evangélica reforçou em suas atuações os dogmas religiosos e encampou argumentos da direita política.
O bloco evangélico era formado por:
14 parlamentares da Assembleia de Deus;
8 parlamentares batistas;
4 parlamentares presbiterianos;
2 parlamentares da Igreja do Evangelho Quadrangular.
Representadas cada uma por um parlamentar estavam as igrejas Cristã Evangélica, Universal do Reino de Deus, Adventista, Cristã de Confissão Reformada e Congregacional.
De acordo com Antônio Flávio Pierucci, autor do livro “A Realidade Social das Religiões no Brasil”, a maior parte da bancada evangélica atuou sem separar política e moral sexual.
“Eles não estavam ali para representar as minorias, como queria Benedita da Silva (PT-RJ), mas sim a maioria. Não a maioria explorada, ou a maioria oprimida, como queriam os gatos pingados da esquerda evangélica, mas sim a ‘maioria moral’.”
BARRAR PAUTAS “AVANÇADAS DEMAIS”
Conforme foi anunciado na primeira reunião, a legalização do aborto também estava na mira.
Em 26 de abril de 1987, a imprensa repercutiu a opinião do parlamentar evangélico Sotero Cunha. Para ele, mesmo em caso de estupro, não deveriam existir exceções, porque “se a mulher não ceder, nada acontece.”
Entre outras ações para derrotar propostas consideradas “avançadas demais” para o povo brasileiro, como a proibição da discriminação contra os homossexuais, os parlamentares cristãos também marcaram posição na Subcomissão da Família, na Comissão de Soberania e Direitos do Homem e da Mulher e na Comissão da Ordem Social.
O deputado Salatiel de Carvalho (PFL-PE) declarou: “Os evangélicos não querem que os homossexuais tenham igualdade de direitos porque a maioria da sociedade não quer”.
“Os parlamentares evangélicos apresentaram duas emendas ao relatório da Comissão de Soberania e Direitos do Homem e da Mulher: a supressão da expressão ‘orientação sexual’ do artigo que proibia a discriminação por motivo de raça, etnia, cor, sexo ou orientação sexual; e a supressão do artigo que dizia que ‘a vida intra-uterina, inseparável do corpo que a concebeu, é de responsabilidade da mulher”, afirmou o sociólogo Flávio Pierucci.
O relator da comissão, José Bisol (PMDB-RS), acabou cedendo às pressões.
Em janeiro de 1988, o parlamentar Daso Coimbra (PMDB-RJ), quando o plenário recusou a emenda contra a discriminação a homossexuais, referiu-se à proposta como “emenda dos viados”.
Os evangélicos também fizeram parte e votaram a favor de propostas do “centrão”, grupo suprapartidário com perfil de centro-direita. Foram, por exemplo, a favor da emenda sobre direito à propriedade e votaram contra a reforma agrária.
APOIO AO PRESIDENTE JOSÉ SARNEY
A bancada evangélica também foi fundamental para que o presidente José Sarney conquistasse o direito de se manter na Presidência da República por cinco anos. Primeiro, 25 parlamentares do grupo votaram a favor da mudança do mandato de quatro para cinco anos. Depois, 24 votaram a favor de estender a regra para o mandato vigente de Sarney, com uma emenda do deputado e cantor cristão Matheus Iensen (PMDB-PR).
Depois de um longo e cansativo período de debates, conflitos e negociações entre progressistas, religiosos e conservadores, em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a sétima Constituição do Brasil.
CONSTRUÇÃO POLÍTICA DO RAP
O contexto econômico e social do final dos anos 1980 e início dos 1990 influenciou as rimas dos primeiros artistas e militantes que fizeram do rap um modo de protesto. Não havia indústria do rap, tudo nasceu da precariedade e contra a precariedade.
Agora, conhecendo parte da história da construção da Constituição Brasileira, e vivendo os dias atuais de polarização política. Respondemos com outra pergunta a questão sobre o que o Hip-Hop tem a ver com isso: Seu Rap e sua atuação na Cultura Hip-Hop são inclusivos ou excludentes?
Interaja conosco, deixe seu comentário, crítica ou opinião