ELAS NO BF | nabru fala sobre ‘Desenredo’, seu primeiro álbum
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Em 15 de novembro de 2024 nabru lançou ‘Desenredo’, seu primeiro álbum solo. Em 27 de novembro, o DJ Cortecertu elaborou algumas perguntas que foram encaminhadas pra ela. No dia 10 de dezembro, ela retornou com as respostas. Nosso corre no site tem a mesma dinâmica de artistas e qualquer um que vive de forma underground/independente/alternativa. Nosso tempo é diferente. No dia 07 de janeiro, consegui parar pra ouvir o álbum novamente e também retomar os trabalhos pra iniciar o processo de publicação da entrevista. De rolê pelas redes, vi que a data era também o aniversário de 27 anos da nabru.
Não sei se é coisa de véio, mas tenho refletido muito sobre o tempo que estou envolvido com a Cultura Hip-Hop, traçando paralelos com a geração atual e tentando lembrar o que eu estava fazendo na mesma idade deles. Não faz muito tempo que comecei com essas reflexões, quem despertou isso foi o Yago ‘Opróprio’ Barbosa (e ele nem sabe disso), menino cria da quebrada que eu conheci ainda muito novo (uns 17 anos atrás mais ou menos), quando ele com certeza nem imaginava que aconteceria tudo que está vivendo hoje. Não faço aqui nenhuma comparação entre os dois, mas nabru é dessa mesma geração, ouvi o som dela a primeira vez ainda na pandemia e gostei do timbre de voz, das rimas e por fazer Rap do estilo que eu mais gosto – estilo esse que hoje chamam de boombap, mas é apenas RAP em cima das batidas, ritmo e poesia puro.
Lendo as entrevistas e matérias sobre o álbum ‘Desenredo’ e também essa que ela respondeu pro BF, tô gostando ainda mais dela. Quando a artista diz em uma das respostas abaixo “…eu simplesmente não ligo pra muita coisa, pra quase nada…”, me identifico, não pela maneira que penso hoje, mas em algum lugar no tempo nesses quase 35 anos de Hip-Hop. Quando Danilo Cruz do Oganpazan me enviou o disco, alguns dias antes do lançamento, fiquei muito feliz e depois ele também me colocou em contato com a nabru.
Eu não sei bem definir o sentimento, mas é muito bom saber, curtir e conhecer artistas mais novos que fazem Rap de uma forma que conseguem despertar a mesma sensação que eu tive quando ouvi os primeiros Raps nas fitas cassetes emprestadas por amigos ou nas rádios piratas. Entre tantos e tantas artistas dessa geração, nabru é uma que consegue isso e eu espero que ela tenha cada vez mais inspiração e vontade de continuar fazendo, pois eu tenho certeza que faz bem não só pra mim, mas principalmente pra pessoas da geração dela, pros mais jovens.
Eu não queria fazer (e não fiz) a introdução dessa entrevista falando sobre literatura, vida acadêmica, religião, referências do disco, poesias, até porque eu nem sou a pessoa mais indicada, minha vida é Cultura Hip-Hop, rua e muito Rap brasileiro. Amo ler, amo escrever, mas amo muito mais ouvir Rap!
Parabéns nabru pelo disco e pelos seus 27 anos completados recentemente!
BF: ‘Desenredo’ reflete sua jornada como mulher, preta, periférica e artista. Como esse mergulho em sua identidade transformou sua música e a narrativa do álbum?
nabru: Acho que ‘Desenredo’ é menos ‘’padronizado’’ que as minorias que me cabem, ele é sim essa jornada, mas é uma história humana, não posso fugir de quem eu sou e do que me forja, das lutas que são necessárias diariamente, mas gosto de pensar que é uma história e pronto, consequência de quem eu sou, inclusive além das opressões que enfrento. A arte é a boca das coisas que eu penso.
BF: Mudar de Belo Horizonte para São Paulo trouxe desafios e novas perspectivas. Como essa experiência influenciou sua escrita, suas vivências e a poética de ‘Desenredo’?
nabru: Essa é de fato e de forma mais profunda e objetiva a síntese de ‘Desenredo’, a escolha da poesia homônima parte da experiência de ver o mundo com os olhos que Minas, mais precisamente minha quebrada e belo horizonte, me deram.
BF: Adélia Prado é uma referência poderosa no título e no conceito do disco. De que forma a obra dela dialoga com as histórias que você quis contar em ‘Desenredo’?
nabru: Todos os versos da poesia ‘Desenredo’ me parecem pensamentos que já correram pela minha cabeça e o significado da palavra em si me pareceu pertinente pro meu momento profissional. Para além disso, e de forma menos subjetiva, Adélia me parece ter uma relação íntima e intrigante com Carlos Drummond de Andrade, meu poeta favorito, o que me aproxima muito dela.
BF: Você trabalhou com produtores diversos do underground nacional. Como aconteceu a conexão com eles e de que maneira essas colaborações enriqueceram o projeto?
nabru: Os meninos foram chegando naturalmente, todos eles estão presentes na minha caminhada no Rap desde o princípio, alguns mais que outros, mas nenhum deles é de hoje, nosso critério é paixão, talento e identificação, e eu vejo isso em cada um deles, sem a batida a poesia e o ritmo não são nada, esses caras sem dúvida me ajudam a exercer o RAP.
BF: A música “Risco da Profissão” traz um sample de Clarice Lispector sobre liberdade artística. Como você vive e defende essa liberdade em um cenário musical tão moldado por algoritmos e tendências?
nabru: Eu simplesmente não ligo pra muita coisa, pra quase nada (risos) ainda bem que o gvtx existe, me coloca no eixo e me ensinou muito sobre arte e profissão, esse risco que falo na faixa, eu até que aprendi direito, mas por dentro eu ainda sou completamente dissimulada e isso é essencial pra veracidade das minhas palavras.
BF: “Milagres (Parte II)” traça um arco entre passado e presente em sua trajetória. Que aspectos da sua evolução como letrista e artista se destacam para você desde os primeiros passos até este álbum?
nabru: Eu realmente acho que não sei responder isso, a arte me parece mais linear do que cíclica, eu só deixo tudo acontecer, e entrego minha vontade pra Deus, é meio invisível esse processo pra mim.
BF: A espiritualidade é uma constante em seu trabalho. Como ela alimenta seu processo criativo e molda a visão que você traduz em suas músicas?
nabru: A minha relação com Deus é o que me alimenta para seguir viva, eu não exploro ela propositalmente para criar, eu só transmito o que sinto genuinamente na minha alma.
BF: “Passarinho Urbano” reúne sentimentos como esperança, luta e resistência. O que inspirou essa faixa, e como ela captura a essência do álbum?
nabru: Esta foi uma das primeiras faixas, ela narra minha visão da minha quebrada, além de fazer alusão ao álbum de mesmo nome da Joyce Moreno, a ideia era trazer coisas mais duras e concretas com uma voz doce que soasse realmente esperançoso mas não se descolasse da realidade.
BF: Em “Cidade Encantada”, você retrata São Paulo com uma mistura de crítica e afeto. Quais aspectos dessa cidade ressoam mais profundamente em sua arte?
nabru: A pixação me enlaçou em São Paulo, ver a cidade, seu tamanho, me fez perceber meu tamanho também, seja na pequenez, ou seja na grandeza, sinto São Paulo como um potencializador de tudo que Belo Horizonte já tinha me dado.
BF: Sua escrita une referências como Antônio Cândido e Jorge Amado, à vivência das ruas. Como você navega entre esses universos para criar letras tão autênticas?
nabru: Chama-se negação a ignorância imposta pelo sistema? Eu só não sabia quem era Antônio Cândido e o Jorge Amado eu descobri sozinha, não pode negar o que simplesmente não se conhece.
BF: O Hip-Hop é uma força coletiva em faixas como “Consciente (Caneta e Papel)”. Como você enxerga o papel do movimento na sua formação artística e na sua visão de mundo?
nabru: Eu comecei a viver o Hip-Hop como Mestre de Cerimônias, essa é minha função primeira e essência que eu busco trazer em toda minha carreira e levar comigo independente da mercantilização do elemento Rap, sem o Hip-Hop não teria Rap, não teria eu, como diria o Emicida ‘’isso não pode se perder’’.
BF: Como você e Matheus Coringa construíram a atmosfera da música “Lithium”?
nabru: Talvez o Coringa discorde de mim, mas não construímos nada, a atmosfera se impôs, se transformou, amadureceu e se consolidou, essa faixa pra mim é quase fruto de um subconsciente de dois artistas erradicados da sua terra e de duas pessoas que vivem altos e baixos, seja na mente ou seja no mundo real.
BF: “Agradeço às Esquinas” homenageia o Hip-Hop das ruas. Qual é a importância desses espaços urbanos na construção da sua identidade artística?
nabru: Eu respirei a rua a vida toda, sempre fui encantada por ela, eu sou fruto de uma família que também viveu as ruas, eu gosto de poetas como o Drummond que exploraram as ruas, eu honestamente acho a rua tão intrínseca a mim que a resposta me parece fugir.
BF: As faixas bônus exploram sonoridades mais pop e experimentais, como trap, R&B e house. Como foi o desafio de transitar por esses estilos dentro de um disco boombap?
nabru: ‘’Sem letra pop, até quando eu falo de amor’’, acho que esse álbum mostra uma maturidade inclusive sobre não me prender excessivamente as convencionalidades, não fiz um álbum de boombap, fiz um álbum de ritmo e poesia, isso faz com que as faixas bônus nem sejam tão bônus assim.
BF: Olhando para o futuro, que caminhos você deseja trilhar como artista e que legado espera deixar para o Rap underground no Brasil?
nabru: Espero deixar meu nome, como deixei em muitas ruas e o meu rosto, na história do Rap, mas o caminho que a gente pensa enquanto caminha, não vou me armadilhar em projeções.
BF: Deixa seu salve, agradecimentos ou o que mais quiser falar.
nabru: Queria mandar um salve pra geral que tá ouvindo, já somos quase 150 mil plays em ‘Desenredo’, e isso fizemos de forma orgânica e com o coração aberto. Agradeço a Deus, minha família e a caixa de areia records, isso é o começo da nova história. ‘Desenredo’ é sobre início, meio e fim, como ciclo e não como definição. Forte abraço pros quebrada e vida longa pro Rap Nacional!
Ouça ‘Desenredo’
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