Entrevista | Opanijé: ‘Não há espaço para neutralidade em nosso trabalho’
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Opanijé, um dos representantes da originalidade do Rap baiano, acaba de lançar o clipe da música “Dessa Vez”. Além de falar sobre o vídeo, o grupo troca uma ideia com o Bocada Forte sobre sua trajetória no Hip Hop. “Foram 15 anos experimentando as sonoridades mais diversas e aprendendo com parceiros de diversos segmentos e lugares. Hoje estamos empenhados em expandir nosso trampo além da música, com propostas visuais e buscando parcerias com artistas visuais que dialoguem com a nossa identidade”, diz Lázaro.
De acordo com o MC, “Dessa vez” não foi composta pensando no contexto de pandemia, mas acabou sendo a resposta mais adequada para essa realidade que estamos vivendo agora. “O instrumental foi feito em parceria com Marcelo Santanna, do Studio Aquahertz, sendo que nós fizemos o beat e os samples percussivos e ele entrou com a parte harmônica. O clipe foi dirigido por Guga Calazans, da Santa Trindade Vídeos. O trabalho foi gravado no centro de Salvador, mostrando as dificuldades das pessoas que trabalham em meio a pandemia”, afirma o artista. Leia a íntegra da entrevista abaixo:
Bocada Forte: Como está sendo esta fase atual do grupo, quais são suas principais parcerias?
Chiba – Nessa fase atual, uma parceria que é importante que a gente destaque aqui é com a produtora de vídeos Santa Trindade. Ela quem está trabalhando nos novos clipes que a gente está fazendo e em toda essa parte audiovisual. Ela também trabalhou em alguns ensaios fotográficos que a gente fez. É uma produtora de vídeo local, dirigida pro Guga Calazans, que já trabalhou com nomes da cena musical daqui, como Ministereo Público, Dj Raiz e DaGanja.
Lázaro – Acredito que estamos numa fase mais reflexiva em relação a nossa trajetória até aqui. Foram 15 anos experimentando as sonoridades mais diversas e aprendendo com parceiros de diversos segmentos e lugares. Hoje estamos empenhados em expandir nosso trampo além da música, com propostas visuais e buscando parcerias com artistas visuais que dialoguem com a nossa identidade. Um exemplo disso, além da parceria com a Santa Trindade Vídeos nos clipes é a participação da Artista Visual Salamanda Mandingas na capa do Single “Segredo” e de Roddolfo Carvalho no Single “Eles Podem Tentar”. Estamos também com previsão de lançar duas músicas: Uma com a participação de Lazzo Matumbi e outra com Nara Couto. Em breve divulgamos as datas em nossas redes.
Bocada Forte: A atual realidade brasileira deixa difícil a vida do artista, muitos até procuram a neutralidade para sobreviver em meio ao mundo dos likes, views e monetizações. Essas coisas, da política ao marketing, influenciam suas composições?
Dum Dum – Sem dúvida! Da política ao marketing e chegando além disso. Tudo o que nos afeta quanto indivíduo e quanto povo é motivador, é inspirador para as nossas composições.
Lázaro – A gente sempre soube que não tinha espaço pra neutralidade no tipo de trabalho que fazemos. Escolhemos seguir esse caminho, mesmo pagando caro por ele às vezes. Então, nesse momento não tem como ser diferente. Tentar ser neutro num país governado por alguém como Bolsonaro é ser conivente com toda essa estupidez e violência que vem dele e de seus seguidores. Não existe dinheiro e visibilidade que pague este prejuízo moral.
Bocada Forte: A violência contra a juventude negra e o racismo estrutural são temas debatidos em vários setores. De certa forma, parte do rap sempre combateu tudo isso. acreditam que esse combate pode ser fortalecido ainda mais?
Dum Dum – Esse esse combate precisa ser fortalecido mais do que nunca. É o nosso povo sendo alvo constante de diversas formas de violência. E, se cada preto e preta souber usar a suas habilidades pra combater essa estrutura teremos um avanço significativo. As coisas começarão a mudar a partir disso.
Lázaro – Sim, o Rap sempre denunciou mazelas que só agora estão ganhando a grande mídia e estão sendo discutidas em grupos de grande influência. Falar sobre extermínio da população negra não é “modinha”, é algo que viemos martelando há décadas. Acredito muito que as novas gerações têm plena capacidade de levar esse discurso adiante.
Bocada Forte: A religião de matriz africana pulsa em cada rima do Opanijé. A questão da intolerância religiosa mostra como nosso país é racista. É notório que vocês acreditam que arte pode iluminar a cabeça dos nossos, mas vocês acham que evoluímos em algum momento nas questões de políticas públicas para combater essa desigualdade?
Lázaro – A compreensão de que a intolerância religiosa está profundamente ligada ao racismo já é um grande avanço. Mesmo com leis que combatam o racismo religioso e incentivem o conhecimento da cultura negra nas escolas, ainda há no imaginário das pessoas uma idéia errada sobre nossa religião que lei nenhuma sozinha pode resolver. Se não tiverem as pessoas em cima, defendendo nossa visão, combatendo as pequenas atitudes preconceituosas do dia-a-dia, não avançaremos.
Bocada Forte: Como estão enfrentando as dificuldades neste segundo ano de pandemia?
Chiba – Realmente tem sido muito desafiador trabalhar nesse cenário de Pandemia nesses quase 2 anos mas a gente tem se virado como pode. Ano passado a gente conseguiu fazer algumas coisas interessantes, como algumas lives, destacando inclusive a participação na versão online do Festival Big Bands, que é um evento emblemático pra cena da música baiana alternativa. Esse ano participamos do Festival Asé Orin, que também foi muito importante pra nós e estamos gravando vídeos produzindo músicas novas e tentando lidar com todas essas adversidades da pandemia como a gente pode.
Lázaro – A pandemia nos tirou os shows, as viagens, mas nos permitiu organizar melhor nossos arquivos e revisitar alguns “B-Sides”, inclusive a faixa “segrresedo”, lançada em setembro de 2020 é uma delas. Refizemos o arranjo, convidamos nossa amiga Karla da Silva, masterizamos no estúdio Aquahertz, mas mantivemos muito da proposta original, produzida por andré T, ainda em 2013, antes de lançarmos nosso primeiro disco.
Bocada Forte: Aquela cobrança de criar conteúdo a todo momento e em todas as redes sociais afetou a mente dos integrantes do grupo?
Lázaro – Sempre afeta um pouco. Se formos parar pra pensar, é muito injusto que, pra alguns artistas só tenha sobrado as redes sociais como alternativas tanto para divulgação de trabalhos, como para comunicação com o público. Isso é algo que eu já vinha alertando desde antes da pandemia: Para as mídias sociais, nós somos meros números. As pessoas já mediam os artistas pelos seus números antes e agora isso tem sido mais cruel e escancarado. Principalmente com os independentes que, como eu já disse, não tem quase nada além das redes como ferramenta.
Chiba – A pressão das redes é forte, né? Tanto por razões mercadológicas, quanto pelo próprio público que, hoje em dia, anseia pro novidades, por conteúdos novos e cobra isso do artista. A gente tem trabalhado esse conteúdo do Opanijé nas redes na medida do possível. Tem sempre que estar tentando trabalhar pra trazer coisas novas, mas ao mesmo tempo a gente tenta ter um equilíbrio pra não ficar tão preso a essa tensão de estar sempre trazendo novidades. A gente quer colocar conteúdo de qualidade e não ficar colocando coisas só porque o mercado exige. Então a gente tem uma preocupação grande em estar trabalhando sempre em nossas redes sociais, mas a gente tem uma preocupação maior ainda em sempre trazer um conteúdo relevante e não ficar colocando qualquer coisa pra encher linguiça só por causa da pressão mercadológica.
ASSISTA AO VÍDEO “DESSA VEZ” NA PLAYLIST BF
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