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Entrevista | Dabliueme: ‘Não adianta ter beat bom e letra bosta’

Entrevista | Dabliueme: ‘Não adianta ter beat bom e letra bosta’

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Dabliueme começou a produzir seus sons no mesmo ano de fundação do Bocada Forte, em 1999. De lá para cá, o MC e produtor lançou 16 trabalhos pelo seu selo, o Fyabomb. Em 2021, o artista lançou o disco ‘Aqui Jazz’, em parceria com o selo Straditerra.

Aqui Jazz traz a rebeldia de quem não quer seguir a onda. Não se perde entre timbres e ideias de uma parcela de artistas que vivem no mundo da meritocracia e do discurso neoliberal disfarçado de evolução.

WhatsApp-Image-2021-07-14-at-13.48.24-300x300 Entrevista | Dabliueme: 'Não adianta ter beat bom e letra bosta'

A experiência de Dabliueme produz um disco sereno e cativante, longe da receita “mais do mesmo” que muitos rappers colocam como cobertura para legitimar uma tal evolução. Na maioria das vezes, seria melhor que assumissem que apenas copiam.

Contra o conformismo pop, plástico e monotemático, ‘Aqui Jazz’ também figura entre um dos melhores álbuns de 2021. “A galera se espelha muito na cultura de fora e a realidade daqui é outra, todos sabemos”, afirma Dabliueme. O produtor trocou uma ideia firmeza com o BF. Confira:

Bocada Forte: Como foi a concepção do álbum Aqui Jazz, que tem elementos da música brasileira, do soul e do rock?

Dabliueme: Cara, eu ouço música na maior parte do meu dia. Ouço pela internet também, mas minhas pesquisas vêm mais do vinil, tenho muitos LPs e ainda tenho hábito de ir ao sebo e garimpar.

E minhas pesquisas maiores são música preta total. Soul, jazz, samba, rock, blues etc. Cultivo a maneira tradicional de se produzir RAP, sampleando, utilizando MPC e equipamentos analógicos.

A concepção do álbum foi essa: unir tudo o que tenho pesquisado. Tudo começou com as escolhas dos samples, os recortes e, depois do beat pronto, formei o time da nossa nova banda, a Aqui Jazz Band, músicos maravilhosos que gravaram os instrumentos possibilitando assim um “blend” de beats + banda.

Como eu já tinha lançado 16 álbuns pelo meu selo Fyabomb, senti a necessidade de expandir também os intercâmbios com outros selos. Lançamos o disco pelo selo mineiro STRADITERRA, com a produção executiva do Rômulo Spuri.

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Bocada Forte: Em meio aos timbres que dominam o mainstream, como os dos estilos drill, trap e grime, feitos em peso aqui pela nova geração, você escolheu fazer um disco com outras referências. Isso é resultado da sua trajetória nos estúdios, bailes e do underground?

Dabliueme: Sim, com toda certeza! Trabalho com estúdio há mais de 18 anos. Venho produzindo outras bandas e artistas de diversos estilos. Quanto ao disco ‘Aqui Jazz’, acredito que me mantive nas diretrizes as quais eu acredito, um som mais sujo, mais “jazzístico”, samples de vinil. O gravador de rolo tem um ruído especial, me agrada muito.

Pra mim, a música sempre foi “pa e pum”, sem muita conversa. Som regulado e “vrau” , sem muita frescura. Isso é muito encontrado nos sons de rua, nos tiozinhos da viola na feira, nos bailões de favela real, nos sound system. Todo esse estudo de anos em estúdios e palcos com certeza foram impressas nesse disco.

Muita gente do mainstream nem está preocupada com sonoridade, com música. Pra mim música não é emprego, é fonte vital, é outra conversa.

OUÇA O DISCO AQUI JAZZ

Bocada Forte: Você não tem nada a ver com a linha evolutiva do Rap brasileiro?

Dabliueme: Boa pergunta. Se partirmos do princípio de que Rap é Rap e trap é trap, eu me considero sim na linha evolutiva do Rap brasileiro, principalmente nas pré-produções, produções, no ato de misturar analógico com o digital e me manter vivo na cena underground sem “padrinhos”.

Seria massa lançar o trampo por um selo fudidasso, mas se não rolar, eu jamais deixarei de imprimir meus sons, minhas sonoridades. São várias as possibilidades, só não pode escrever groselha. Letra leviana eu nem comento.

Bocada Forte: As letras de ‘Aqui Jazz’ falam de sua forma de fazer Rap, faz uma crítica ao atual momento do Rap, mas também tem uma veia politizada. Fale um pouco sobre o que te motiva a escrever.

Dabliueme: Sempre escrevo quando estou no inferno astral. Quando estou na fossa mesmo. A escrita me liberta, é o descarrego. Me sinto aliviado escrevendo, tipo matando um fascista, tá ligado?

A escrita é o último recurso do poeta…

Em um RAP prezo muito pela letra, mais que o beat. O RAP é da hora porque tem um ritmo foda e letras fodas, não adianta ter beat bom e letra bosta. Isso me motiva a dar o papo reto e também pago o preço pelo que escrevo. Por exemplo, a canção “Pequenas igrejas, grandes negócios” foi num surto extremo com essa putaria religiosa, essa exploração da fé, ganham dinheiro em cima da falta de propriedade do próximo, isso é inaceitável.

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Bocada Forte: A arte do DJ parece ser elemento indispensável no seu trabalho. Fala sobre essa parada também.

Dabliueme: Sim, o DJ é um dos principais elementos do RAP. Sem DJ, não tem RAP. Preservamos muito essa cultura do vinil, dos toca-discos. Por isso estamos preparando nossos shows com dois DJs, o Subrinho, campeão do Hip Hop DJ 2020, e Bndee, que são a dobradinha de artistas que organizam o maior encontro de DJs daqui do interior: o ‘Scratch Combat Sorocaba’.

Bocada Forte: Você também faz uma crítica ao atual momento da música, que se desenvolve em meio aos números das redes sociais e plataformas. Como sobreviver nas bordas da cena?

Dabliueme: Olha, acredito que não tenha como fugir, o caminho é a internet, e pra falar a verdade, foi bom cara. Vejo meu som tocando na gringa e fico muito feliz. Em outros estados brasileiros, a galera me marca no stories ouvindo meu som, isso é muito maneiro cara. Mas não consigo grana com monetização de internet não.

Minha renda no momento vem de estúdio, venda de beats, mixagem e masterização para outros artistas. Curto demais esse meu trabalho de produção musical. É aquela frase, trabalhe com o que gosta e nunca mais terás que trabalhar!

Bocada Forte: Como está sua vida em meio a pandemia? Em relação ao seu trabalho, continua produzindo?

Dabliueme: Cara, todo dia! Não tenho outra atividade a não ser cuidar da casa e produzir no estúdio, estou produzindo muitos artistas, beats, mixagem, estou masterizando de maneira analógica uma banda de ska de Ourinhos, muito foda. Estou produzindo uns beats pro Lakers e Pá, Jupitter (Rap Plus Size), Império ZO, P.MC e muitos outros artistas do Brasil, me sinto muito grato por estar, de alguma forma, colaborando com a música brasileira e com a cultura underground, o Hip Hop, enfim.

Bocada Forte: Fale mais sobre a afirmação: “O Brasil está matando o Brasil”.
Acha que falta posicionamento político dos artistas ou acredita que não é dado o necessário espaço para quem tem uma postura crítica ao atual cenário social e político?

Dabliueme: Na real, é o Brazil (com Z) tá matando o Brasil (com S). Olha o que fazem com os indígenas, com nossas florestas.

Olha o cara pagando de 50 Cent e morando numa comunidade fudida, sem saneamento básico! Aqui é Brasil com todas as coisas ruins e boas é o BRASIL COM S. A galera se espelha muito na cultura de fora e a realidade daqui é outra, todos sabemos.

Mas também já passei da fase de me irritar com os adolescentes (risos). Deixa eles se iludirem, depois a ficha cai… quem nunca… né mano?

Bocada Forte: O que são raiz e essência para você?

Dabliueme: Raiz é quando você estuda a história toda e sabe do começo até os dias de hoje, por exemplo o RAP, mesmo que você não faça um Rap dos anos 80 você tem como dever saber como começou, de onde veio, quem fez e quem não fez. É o estudo porra!

Quer fazer RAP? Estuda a porra toda, vai pras cabeças, ou fica fazendo só de final de semana mesmo, como hobby e está tudo certo. Agora, se quer viver o RAP, tem que estudar mesmo e saber onde está a raiz da coisa até chegar nos galhos, folhas e frutos.

A essência é essa, no andamento das pesquisas e dos estudos, tornar como hábito diário a escrita, a composição, a pesquisa, o ouvir, o sentir a música.

Não tem receita, bicho. Só você sabe onde você quer chegar e o quanto é importante o Rap, a música e a Cultura Hip Hop na sua vida. Eu consumo sem moderação e é o que me mantém vivo, é tipo academia mano…

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