#ElasNoBF | Jenyffer Nascimento segue sua trilha com a palavra que não faltou
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Fotos: Erica Bastos
A educadora, poeta e escritora Jenyffer Nascimento é uma voz importante na literatura periférica brasileira, unindo sua trajetória pessoal à luta por identidade e direitos na zona sul de São Paulo. Em conversa com o DJ Cortecertu, editor do site Bocada Forte, ela destacou como sua atuação cultural começou no rap e está enraizada no Bloco do Beco, coletivo do qual participa desde os anos 2000, e em suas obras literárias, onde discute o lugar da mulher negra na sociedade, o racismo estrutural e a ressignificação da identidade feminina.
Nascida em 1984 na cidade de Paulista, Pernambuco, e criada na periferia paulistana, Jenyffer sempre teve a escrita como canal de expressão. Iniciou suas criações com letras de Rap na adolescência, e, desde então, vem solidificando uma obra marcada por versos que reverberam questões de gênero, raça e classe. Em seu livro Terra Fértil (2014 – Leia resenha de Jéssica Balbino no BF), ela apresenta poemas que dialogam diretamente com o cotidiano e a luta de tantas mulheres periféricas. O livro, publicado pelo coletivo Mjiba, reúne 80 poemas intensos e contestadores, onde, com uma linguagem afiada, Jenyffer desconstrói estereótipos, critica o patriarcado e celebra a resistência.
No poema “Antítese”, por exemplo, a autora utiliza a desconstrução – conceito central na teoria de Jacques Derrida – para questionar as expectativas impostas pela sociedade patriarcal. Em versos como “Pediram um corpo estrutural / Eu não tinha” e “Sugeriram que não opinasse em assuntos de homem / Eu nunca consenti em calar”, Jenyffer desestabiliza as narrativas tradicionais que moldam o feminino, recusando-se a aceitar a invisibilidade social que frequentemente recai sobre mulheres negras e periféricas. Esse tipo de poesia, descrita pela crítica como “nitroglicerina pura”, ecoa nas ruas, saraus e encontros literários, reafirmando o direito ao protagonismo negro e feminino.
A literatura de Jenyffer, que muitas vezes se identifica pela relação com seu filho (“eu sou a mãe do Pedro”), também encontra ressonância em teorias feministas contemporâneas. Influenciada pela visão pós-feminista de Judith Butler, que questiona o binarismo de gênero e a construção da identidade feminina, Jenyffer estrutura uma escrita que é, ao mesmo tempo, resistência e reconstrução. Segundo o estudo de Fernando Reis de Sena sobre sua obra, ela utiliza a poesia para “ressignificar as coletividades marginalizadas e desconstruir os pares binários que sustentam a opressão.” Esse enfoque está presente em poemas como “Ventre Livre” e “Carne de Mulher”, onde o corpo feminino deixa de ser mercadoria e se torna território de luta e liberdade.
Durante a conversa com DJ Cortecertu, Jenyffer – que entrou no Rap aos 16 anos e teve um grupo chamado Minas do Subúrbio – destacou que sua atuação no Bloco do Beco é uma continuidade natural de sua escrita e militância. Para ela, o bloco representa o direito de existir e de afirmar sua história, refletindo a mesma pulsão transformadora que move sua poesia. O bloco e sua poesia são, portanto, expressões complementares de uma mesma resistência: a ocupação dos espaços públicos e culturais pelas vozes periféricas.
O Bloco do Beco, que nasceu como bloco carnavalesco para valorizar o carnaval de rua, tornou-se um ponto de encontro e resistência na Zona Sul. “O Bloco do Beco defende o direito de existirmos como somos, em nossas raízes e narrativas,” afirmou. Para ela, o bloco é um espaço de pertencimento e uma forma de resguardar a memória coletiva dos moradores da periferia contra os impactos da gentrificação. Além das festividades, o bloco organiza oficinas e festivais que promovem a cultura local e a identidade negra, resistindo às pressões que tentam transformar as comunidades periféricas em espaços padronizados e elitizados.
“Já faz quase 18 anos que minha organização territorial é ligada ao Bloco do Beco, que é uma organização social comunitária, né? Nesta organização, eu fiz muitos trabalhos. Hoje eu não trabalho mais lá, mas eu sou uma colaboradora permanente. Meu trabalho de articulação comunitária é muito nesse lugar mesmo. De quem conhece o bairro, de quem conhece os moradores e de quem faz uma discussão sobre cultura como direito”, diz Jenyffer.
O prefácio de Terra Fértil, escrito pela poeta Carmen Faustino, descreve Jenyffer como “mulher negra periférica, escritora, mãe, educadora, boêmia, raiz, ventania e liberdade.” Essa pluralidade define tanto a obra quanto a atuação de Jenyffer. Sua poesia se move entre a doçura e a acidez, entre a celebração e a denúncia, tornando-se uma ferramenta de transformação e identidade para ela e para suas leitoras. Faustino destaca ainda que a escrita de Jenyffer “grita para expurgar tudo aquilo que não querem ouvir, que soa leve e implacável aos ouvidos.”
Na Zona Sul de São Paulo, Jenyffer Nascimento afirma que o Rap e o Hip-Hop abriram horizontes em sua trajetória. Ela teve o rapper Thaíde, DJ Dandan e Nelson Triunfo como professores. A autora é uma referência literária não só nas quebradas. Sua obra, descrita como um ato de “dessacralização” dos discursos dominantes, desafia o leitor a rever posições e preconcepções, convidando todos a enxergar a potência que emerge dos becos e vielas de São Paulo. Com cada poema, ela celebra, desafia e ressignifica o que significa ser mulher, negra e periférica.
No evento que celebrou os 25 anos do Bocada Forte, na Agência Solano Trindade, Jenyffer Nascimento foi linha de frente e mediou os diferentes debates promovidos durante o dia.
“Fiquei muito feliz em participar, porque o Bocada é um site que eu conheço, porque a gente viu ele nascer crescer e é isso, né? […] também fiquei pensando: será que eu estou mediando bem? Era uma coisa que ia ficar registrada. São 25 anos. Porra , é a maior responsa. Também falei com Gil [editor do Bocada Forte] que ia tentar deixar o mais natural possível”, comenta a autora independente.
Jenyffer é vencedora do Prêmio Carolina Maria de Jesus de Literatura Produzida por Mulheres, um edital do Ministério da Cultura que visa valorizar e divulgar a literatura brasileira produzida por mulheres. Um novo livro está chegando. “A mente de um escritor e poeta vai longe. Vamos acreditar em nossas brisas […] A escrita é sempre um convite, não existe escrita certa e escrita errada. O fluxo da escrita vai me levando a dizer coisas que eu não esperava…é chegar no papel sem saber o que vai sair”, disse a artista durante entrevista à Tarcila Saldanha, na Rádio Índios nesta quarta (06.11).
Com informações de:
Literafro
Darandina Revista Eletrônica (Fernando Reis de Sena)
Rádio Índios
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