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#ElasNoBF | Graffiti e Identidade: a luta e a arte de Crica Monteiro

#ElasNoBF | Graffiti e Identidade: a luta e a arte de Crica Monteiro

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Vencedora do Prêmio Sabotage de 2024, Crica Monteiro revela as dores e conquistas das mulheres no universo do Graffiti e do Hip-Hop

Crica Monteiro é grafiteira, designer e ilustradora, criada em Embu das Artes, na grande São Paulo. Crica vem de uma família de nordestinos, onde aprendeu logo cedo a valorizar a educação e sua ancestralidade. Influenciada por sua mãe, interessou-se pelas artes desde pequena, mas foi em 1999, quando o Hip-Hop entrou em sua vida através do Graffiti, e em 2001, ao fazer seu primeiro Graffiti, que começou a entender como a cultura urbana influenciaria definitivamente sua arte.

Na entrevista, Crica aponta o quanto o Hip-Hop foi importante para entender seu lugar no mundo e o quanto se identifica com a cultura. Ela também fala sobre como a questão racial e de gênero avançaram, mas ainda há um longo caminho para alcançar o ideal:

“Sinto muitas dores nas mulheres nesse sentido, de que ainda têm que se matar de trabalhar de outras formas para conseguir sustentar o sonho de ser artista. Essa é a realidade das mulheres muitas vezes, né? Então, isso gera muita frustração, ansiedade e desistência de seguir em frente com o trabalho, e é doloroso acompanhar isso.”

Crica participou das celebração de 25 anos do site Bocada Forte

A grafiteira foi ganhadora do Prêmio Sabotage de Hip-Hop de 2024, na categoria Graffiti. Crica diz que não esperava ganhar e que procura, em sua vida, não criar mais expectativas sobre nada. Ela ressalta a importância do Hip-Hop em sua trajetória:

“O Graffiti é uma ferramenta, assim como o hip hop é para a gente que vem daqui, desse lugar de escassez. Sinto que tenho uma das maiores ferramentas em minhas mãos, que é a criatividade. Se consigo transmitir isso para outros lugares, é muito poderoso, é uma arma.”

Conheça Crica Monteiro, vencedora do Prêmio Sabotage 2024 – Categoria: Melhor Artista de Graffiti


FRAGMENTOS

Graffiti, arte, mulheres

“Do ponto de vista de onde estou, no meu território, São Paulo, vejo que existe muita facilidade para algumas e dificuldade para muitas, infelizmente. Falando de Graffiti e desse universo para as mulheres, sempre foi mais difícil. Então, a gente sempre está em um lugar de correr atrás mais que todo mundo, desde conquistar seu espaço até ser respeitada no mercado em relação a valores, como ter uma remuneração próxima à dos homens, o que geralmente não acontece. As oportunidades para reconhecer o trabalho das mulheres como tão bom quanto o dos homens também são escassas.

Eu converso, muitas vezes fico só ouvindo e observando os movimentos. Sinto muitas dores nas mulheres nesse sentido, de que ainda têm que se matar de trabalhar de outras formas para conseguir sustentar o sonho de ser artista. Essa é a realidade de muitas mulheres, então isso gera muita frustração, ansiedade, desistência de seguir em frente com o trabalho, e é doloroso acompanhar isso.

Às vezes, a gente entra em um rolê de comparação, mas você não sabe a história da pessoa, os valores que ela carrega, o que ela passou. Mesmo eu sendo periférica e crescendo no Jardim São Marcos, em Embu das Artes, tive dois pais nordestinos trabalhadores, que se esforçaram muito para me educar. No meio das dificuldades, tive pai e mãe por perto, e isso me ajudou a ser quem sou hoje. Vejo que é difícil para pessoas mais velhas, para mulheres mais velhas e até para as mais novas que estão começando agora.”

Crica-Monteiro-scaled #ElasNoBF | Graffiti e Identidade: a luta e a arte de Crica Monteiro

Onde chegar com minha arte

“Eu acho que já cheguei. É muito raro conseguir fazer isso, acho. Quando entrei no mundo do Graffiti, entrei querendo experimentar, como um hobby, e nunca imaginei que seria meu trabalho. As coisas foram acontecendo. O que eu penso? Que dentro da minha caminhada no Graffiti, meu trabalho não podia ser apenas esteticamente bonito; ele precisava passar uma mensagem. E foi nisso que comecei a trabalhar.

Como já pinto mulheres pretas, entendo que esse já é um lugar de posicionamento, pois é um corpo político. Sempre trago isso para as pautas. Vou ser racista com uma mulher na vida real, mas meu trabalho é bonito porque é uma mulher preta desenhada? Porque está em um ambiente lúdico? E aí, no meu trabalho, sempre fui muito questionadora.

Teve uma vez que uma menina me disse que começou a pintar o cabelo colorido porque eu pinto o cabelo das minhas personagens. Meu cabelo é crespo e eu nunca tinha visto uma mulher de cabelo crespo e colorido. Então, aos poucos, consegui que algumas mulheres negras olhassem para meu trabalho e se reconhecessem. Talvez meu trabalho fale de autoestima, porque traz empoderamento. Trago o lúdico para o trabalho para que possamos sair um pouco desse lugar de dor. Gosto dessa confusão, porque isso gera reflexão.

Hoje, meu trabalho é estudado em escolas e universidades. Recebo imagens de crianças que encontram meu trabalho porque a professora indicou meu nome para uma pesquisa. Eu já consegui muito, e sem saber que estava fazendo isso. Acho que esse era um dos maiores objetivos no meu processo como grafiteira, artista e mulher.”

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Hip-Hop, ativismo

“O Graffiti é uma ferramenta, assim como o Hip-Hop é para nós, que viemos desse lugar de escassez. Sinto que tenho uma das maiores ferramentas nas minhas mãos, que é a criatividade. Se consigo transmitir isso para outros lugares, é poderoso, é uma arma. Uso isso para que as pessoas olhem para meu trabalho por esse ângulo. É bonito, mas também tem uma mensagem.

Sou uma pessoa que se preocupa com a comunidade. Isso é o Hip-Hop. É o que aprendi: precisamos saber de onde viemos para saber para onde vamos. Trago muito o afrofuturismo nos meus trabalhos, justamente para que lembremos do passado, vejamos o presente e olhemos para o futuro. Nossa geração busca resgatar a essência, nossa história. Não somos descendentes de europeus com posses, que chegaram com cartas e navios. Sabemos que viemos de pessoas exploradas neste país.

Hoje, nosso movimento está jogando na cara das pessoas a sujeira escondida. Precisamos saber disso, e não é viver de dor, é também florescer. Foi o que senti ao pintar minha primeira empena no centro. Outras pessoas como eu estão nesse movimento de resgate. E, muitas vezes, a gente vira palestrinha. Hoje, só falo com quem quer me ouvir, me entrevistar ou me pagar, porque a gente passa a ser vista como alguém chata.”

Ancestralidade

“Desde criança, meus pais me ensinaram que não importa onde vamos, temos que lembrar de onde viemos. Tenho consciência de quem sou por causa disso. Cresci nos anos 80 e 90, e minha geração sentia vergonha de onde era. Os Racionais vieram para quebrar isso, mostrando que também temos dignidade. Na bolha da minha casa, minha família me ensinava: filha, você pode conseguir o que quiser, é só estudar.”

Artista e Prêmio Sabotage

“As pessoas pensam que o artista está num pedestal, mas esse lugar eu não quero ocupar, porque parece inalcançável. Quero ser próxima de quem quer fazer o mesmo que eu. Precisamos ser inspiração; fui inspirada por outros. Hoje, alguém chega pra mim e diz que se inspira em mim e no que eu faço. Isso é uma grande responsabilidade.

Esse ano, recebi o Prêmio Sabotage de melhor grafiteira do ano. Não esperava ganhar. Percebi que, quando crio expectativas, a decepção pode ser grande. Hoje, vivo sem criar expectativas, e isso me deixou leve. Não preparei um discurso, mas estava feliz. A vida vai nos moldando e, com o tempo, a gente vai aprendendo.”

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Erica Bastos é jornalista e fotógrafa. Filha de nordestinos, do sertão da Bahia, ama suas raízes e procura sempre trazer o olhar de quem está dentro da periferia para o mundo, sem estereótipos.