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#ElasNoBF | Conheça a arte da grafiteira Fenix

Elas no BF: A grafiteira Fenix

#ElasNoBF | Conheça a arte da grafiteira Fenix

ESPALHA --->

Foto: Bruno Gomes Soares

O mundo das artes plásticas é um segmento extremamente elitista, branco e misógino. Sem novidade até aqui, porém, nos últimos anos, algumas galerias tem se preocupado em ter mais diversidade em suas exposições. Pautas sobre mulheres, negros e indígenas tem sido cada vez mais abordadas. De qualquer forma,  o caminho para um artista periférico negro ou indígena estar no circuito de arte ainda é muito limitado.

Entretanto, nas periferias do Brasil, artistas não deixam de produzir arte. Um crescente número de mulheres tem se destacado por trabalhos extremamente relevantes e que devem ser valorizados e registrados pela sua potência e vanguarda.

De Belo Horizonte (MG), a grafiteira Fenix ou Sthefany Santos de Oliveira, apresenta uma arte com muita representatividade e um corpo de trabalho que vem amadurecendo e crescendo. Para ela, parar por questões de limitações por ser mulher, negra e periférica não está nos seus planos, o desenho sempre esteve muito presente em sua vida. Desde a infância, o graffiti foi um sonho que virou realidade, representar sua ancestralidade indígena foi sua ideia no começo de sua caminhada pelo graffiti.

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Em entrevista concedida ao Bocada Forte, a artista nos conta sobre suas referências, sobre a escolha do nome Fenix, do saldo positivo sobre a pandemia e sobre ser mulher, principalmente mulher negra dentro do graffiti.

Fenix também fala sobre como é cansativo ser subestimada e sexualizada o tempo todo.

“Ser uma mulher negra, no geral, é ser – constantemente e de modo exaustivo- sexualizada e subestimada. Dentro da arte urbana (que é predominantemente masculina) o cenário não é diferente, e confesso que isso me frustra profundamente. Mas para além deste cenário patriarcal, existe o lado potente em estar ali como uma inspiração para outras mulheres negras e não negras, isto é muito forte, pois o impacto que o discurso empoderador de quebra de paradigmas e de resistência nos traz é absolutamente compensador, simbolizando um verdadeiro combustível”, declara Fenix.

Abaixo acompanhe as ideias da grafiteira Fenix.

INÍCIO
Comecei a desenhar ainda na infância, não me recordo exatamente o momento mas lembro de admirar profundamente os rabiscos e desenhos que meu pai deixava espalhado pela casa. Vejo esta admiração como um grande estímulo para desenhar desde muito pequena.

Por um longo período, o graffiti esteve de modo “distante”, como possibilidade de vir a produzi-lo, eu o tinha apenas como algo que eu admirava muito e isto se deu da infância até a adolescência.

Por volta dos 16 anos, esta admiração cresceu ainda mais, e foi nesta fase que comecei a procurar informações e vídeos de processos e produções de murais/grafites na internet. No entanto, o meu ciclo social se resumia a igreja protestante, na qual eu não via nenhum tipo de estímulo para algo “transgressor”.

Com o decorrer do tempo, após a minha saída da igreja, fiz amigos pixadores e, por um período curtíssimo, pixei alguns muros e lixeiras, mas ainda não via um modo de acesso ao graffiti. Isso mudou aos 18 anos, neste período eu trabalhava em um hospital e lá fiz amizade com um rapaz que fazia graffiti, e foi neste momento que vi a minha “chance de ouro”.

Combinamos de pintar juntos e fiquei realmente muito empolgada, porém, um dia antes da data combinada, ao chamá-lo para confirmar “a estreia”, recebi uma mensagem negativa na qual ele dizia que não iria mais. Ao perguntá-lo sobre o motivo da desistência, recebi um “porque eu não estou afim” como resposta, e isso foi muito frustrante e decepcionante, lembro de ficar realmente triste.

Mas isso durou apenas um breve momento, recordo de falar com o meu parceiro da época que isso não me faria desistir, pois este era o meu sonho, da qual eu havia esperado durante toda a vida e queria muito.

No outro dia pela manhã, fui a um depósito próximo da minha casa, comprei uma latinha de tinta látex, pigmento, pincel e fui para um lote vago fazer o meu primeiro graffiti. Lembro como se fosse agora: eu dizendo para mim mesma que a partir daquele momento eu não esperaria por ninguém para correr atrás dos meus sonhos e do que eu acreditava.

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VULGO FENIX
Sempre admirei e me identifiquei profundamente com a simbologia da mitologia da ave fênix, esta que- segundo diversas lendas- após um ciclo de vida, entra em combustão e renasce brilhante das próprias cinzas. A fênix simboliza sobre tudo o renascimento e a resiliência. Sempre encarei os meus desafios da vida desta maneira e no momento de escolher um vulgo/assinatura para me representar, a decisão por este nome foi quase que imediata.

RAÍZES, ANCESTRALIDADE, IDEIA, EVOLUÇÃO
Sempre representei figuras humanas em meus trabalhos. Percebo que este é um caminho comum para nós artistas, representarmos o que nos cerca, logo pintar personagens com feições humanas foi um caminho muito natural.
Em princípio, o intuito era apenas representar a minha descendência indígena na face dessas personas. Com o tempo, o desejo de levar através da pintura uma mensagem sobre união, tolerância e equilíbrio, tornou a imagens de duas mulheres/seres juntas necessária.

Notava-se, principalmente no início deste processo, tais conceitos representados em suas faces, uma delas sempre estava com um semblante leve e sereno enquanto a outra estampava um olhar carregado e fechado, e ambas sempre estavam juntas e/ou entrelaçadas.

O intuito era: através das diferenças, representar justamente a tolerância, união e através disso, o equilíbrio. Estes ideais continuam plenamente vivos em meu trabalho, mas hoje,  após muito amadurecimento, reconhecimento de raça e classe, percebo que além disso tudo, posso também através da pintura exaltar as minhas raízes ancestrais afro-indígenas e naturais, bem como usar o meu trabalho para empoderar e dar força aos meus semelhantes.

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REFERÊNCIAS E INFLUÊNCIAS ESTÉTICAS
Esta pergunta ainda é um grande desafio, e um desafio muito importante. A minha grande questão é que sempre desenhei, desde muito pequena, e obviamente usando diversas referências das quais não consigo citar com exatidão, e aí se encontra o meu problema.

Diante de temas gerais, sei que sempre admirei e consumi predominantemente arte oriental, egípcia e indígena. Dentro de movimentos artísticos, o surrealismo, cubismo e a arte abstrata também sempre estiveram presentes em minhas pesquisas. Hoje busco inspirações acima tudo em fotografias humanas em contextos culturais, de animais e figuras orgânicas naturais. Esteticamente, tudo que vai de encontro com o natural me encanta profundamente, seja nas cores ou formas.

A MULHER NEGRA NAS ARTES PLÁSTICAS
Em relação ao mercado das artes plásticas, percebo o óbvio, é um nicho ainda muito pequeno e restrito a elite, que se faz ainda predominantemente branca, mas sendo otimista, também vejo uma abertura crescente, mesmo que lenta, para a comunidade negra e/ou oriunda da arte urbana. Infelizmente, é um lugar ainda de difícil acesso, que se faz ainda mais dificultoso para a mulher negra, pois além de sermos a minoria dentro da arte urbana, seguimos sendo constantemente silenciadas devido a nossa posição estrutural e social.

Ser uma mulher negra no geral é ser constantemente e de modo exaustivo sexualizada e subestimada, e dentro da arte urbana (que é predominantemente masculina) o cenário não é diferente, e confesso que isso me frustra profundamente. Mas para além deste cenário patriarcal, existe o lado potente em estar ali como uma inspiração para outras mulheres negras e não negras, isto é muito forte, pois o impacto que o discurso empoderador de quebra de paradigmas e de resistência nos traz é absolutamente compensador, simbolizando um verdadeiro combustível.

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MIGRAR PARA SÃO PAULO
É absolutamente necessário de alguma forma migrar para os grandes polos (São Paulo e Rio de Janeiro), pois o mercado artístico daqui de Minas Gerais, comparado ao de São Paulo, por exemplo, é lento, conservador e de difícil acesso.

PANDEMIA
Jamais gostaria de romantizar este triste momento histórico, pois no geral vimos que foi devastador, mas foi um ano muito bom pra mim, de muita evolução pessoal e profissional. Durante este ano pude me dedicar a mim mesma, meus propósitos e de modo autônomo me profissionalizar. Como é natural, não está sendo um ano materialmente próspero, mas também não houveram momentos de real dificuldade financeira. Em relação aos meus planos, infelizmente foi de certa forma triste adiar alguns projetos, mas sempre direciono o meu olhar para um ponto positivo, vejo que tive a chance de entregar algo ainda melhor para os projetos que virão.

ONDE PRETENDE CHEGAR
O meu real sonho e propósito é de conseguir alcançar muitas pessoas e impactá-las de modo positivo, levando autoestima, empoderamento, reconhecimento, alcançar lugares e pessoas que realmente necessitam. Quero apenas ser um bom referencial de resistência, representatividade e fazer isso por meio da arte me parece a realização de um sonho!

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Erica Bastos é jornalista e fotógrafa. Filha de nordestinos, do sertão da Bahia, ama suas raízes e procura sempre trazer o olhar de quem está dentro da periferia para o mundo, sem estereótipos.