#ElasNOBF: Ainda sobre o problema do patriarcado na cultura Rap
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Em nossas pesquisas para o Bocada Forte, diariamente recebemos resultados de discos, vídeos, declarações, entre outras coisas do universo masculinizado do Rap. Sabemos que a sequência finita de regras, raciocínios ou operações conhecidas pelo nome de algoritmo nos mostram mais do mesmo e ocultam o trabalho e a arte das mulheres do Hip-Hop. Incluir dá trabalho, e como sempre afirmamos: ficar reproduzindo release não ajuda nos corres da inclusão.
Erica Bastos, integrante do BF, registra essa desigualdade em texto para o site.: “nas mídias do Hip-Hop, a situação não é boa, são raros os canais de comunicação com a presença feminina, pouquíssimas mulheres estão à frente de blogs, de sites, etc. Há uma escassez de minas nessas mídias que pensam a respeito do Hip-Hop, que fazem cobertura de algum evento, show ou que fazem críticas sobre o movimento Hip-Hop como um todo.”
Confira o Especial #ELASNOBF
Em 2021, Nerie Bento e Lunna Rabetti, apresentaram uma pesquisa que denuncia o apagamento das mulheres do rap nas plataformas de streaming. Na época, poucos sites repercutiram os resultados apresentados pelas pesquisadoras, que questionaram as curadorias e playlists editorias das principais plataformas.
Neste mês de outubro, Nahla White, em uma série de dois textos intitulada “Sound and Sociology: Hip-Hop Feminism and Rap’s ‘Patriarchy Problem’”, no site The Northern Ligth, explora um dos temas mais urgentes dentro da cultura Hip-Hop: o patriarcado enraizado na música Rap e como isso afeta a presença e contribuição das mulheres no gênero. A autora, como muitas colaboradoras do BF, ao longo de suas análises, conecta o machismo na sociedade à forma como o Hip-Hop tem sido historicamente moldado por performances de masculinidade hegemônica, além de destacar a luta das mulheres para conquistar espaço e visibilidade.
Na primeira parte, White se joga no conceito de Hip-Hop feminism, que não é apenas uma crítica à maneira como as mulheres são tratadas dentro da cultura Rap, mas uma reivindicação de espaço e respeito. White destaca que desde os primórdios do Hip-Hop, mulheres como Lady of Rage e Lil’ Kim ajudaram a moldar o gênero, seja incorporando a figura de “garota durona” ou adotando uma imagem abertamente feminina.
Contudo, apesar dessas contribuições inegáveis, White observa que as performances masculinas dominam a cena e sufocam a diversidade de expressões femininas. Um exemplo disso é a forma como as rappers femininas muitas vezes são tratadas como um “subgênero” dentro do Rap, enquanto seus colegas masculinos são exaltados como os maiores de todos os tempos. Em vez de simplesmente debater quem é a maior rapper mulher, a autora aponta para a importância de reconhecer que as mulheres também ocupam o mesmo nível que os homens nesse espaço.
Nahla White propõe que a masculinidade hegemônica, que define o comportamento esperado dos homens na sociedade, também permeia o Hip-Hop. O Rap, ao reproduzir características como força, poder e controle sobre as mulheres, reforça estereótipos herdados de uma história de opressão racial e de gênero. Ela menciona como os homens negros, desumanizados e emasculados durante a escravidão, buscaram, muitas vezes, reafirmar sua masculinidade de forma agressiva no Hip-Hop.
Segundo White, o que se observa é uma rejeição à feminilidade dentro de uma sociedade patriarcal, que valoriza a masculinidade em detrimento de tudo que é associado ao feminino. Isso se reflete na maneira como a música das mulheres, mesmo quando não aborda a sexualidade de forma explícita, é constantemente desvalorizada. Ela cita o exemplo da rapper Noname, conhecida por suas letras sobre questões sociais e ativismo, que, apesar de seu talento e colaborações com grandes nomes, não recebe o mesmo reconhecimento que rappers homens.
A autora ressalta que o problema é estrutural e sugere que o patriarcado é uma barreira que impede as mulheres de serem reconhecidas por sua arte. Isso não significa que todos os homens dentro do Hip-Hop sejam misóginos, mas sim que a estrutura patriarcal impede que a igualdade seja plenamente alcançada.
Já no segundo texto, a autora inicia sua reflexão abordando um problema comum no Rap: a forma desproporcional com que homens e mulheres são julgados ao falar sobre sexualidade. Enquanto os homens, em muitas músicas, glorificam suas conquistas sexuais sem grande polêmica, as mulheres que se expressam de forma aberta sobre o tema enfrentam críticas massivas. Esse duplo padrão ficou evidente em 2020, com o lançamento da música “WAP” de Cardi B e Megan Thee Stallion. A canção, que celebra o prazer sexual feminino, foi alvo de ataques de várias personalidades.
White critica a maneira como figuras masculinas tentam impor limites à sexualidade feminina, questionando por que o empoderamento sexual masculino é aceito, enquanto o feminino é censurado. Ela argumenta que essa reação está profundamente enraizada em uma sociedade patriarcal que não sabe lidar com a autonomia feminina, especialmente quando expressa por meio da arte.
Ao examinar o caso de “WAP”, White expande a discussão para a forma como a cultura Hip Hop é frequentemente permissiva com letras que objetificam as mulheres, mas se choca quando as mulheres tomam o controle dessa narrativa. Ela aponta como muitos homens no rap, incluindo grandes nomes como N.W.A. e Three 6 Mafia, são celebrados por letras que desumanizam as mulheres, enquanto rappers femininas são condenadas por expressar suas próprias realidades e desejos.
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Reflexões para o Hip-Hop Brasileiro
No contexto brasileiro, onde a cultura Hip-Hop também carrega questões relacionadas à opressão de raça e gênero, os textos de Nahla White são extremamente relevantes.
Em 2019, Priscilla Fenics, MC e pesquisadora, quando questionada sobre o conceito da música “A rua vai cobrar você”, falou sobre o assunto durante entrevista ao Bocada Forte: “Por exemplo: sua música fala de opressão e racismo, mensagem pertinente, mas nos bastidores oprime uma mina preta, ou um homem…ou uma mulher trans. Machista, homofóbico, transfóbico no Rap é mato. Desonestidade, mau-caratismo também tá tendo. Sempre houve e não é de agora. Mas não podemos mais aceitar isso. As máscaras podem até não cair fácil, pois as pessoas são cúmplices e se protegem, mas a rua cobra.”
O questionamento sobre o espaço das mulheres no Rap, suas expressões de autonomia e a luta contra o machismo são temas que devem ser trazidos à tona com mais frequência de forma séria, não apenas para buscar engajamento nas redes sociais.
A luta contra o patriarcado dentro do Hip-Hop é uma questão de liberdade criativa, justiça e reconhecimento. White deixa claro que essa luta está longe de acabar, mas ao mesmo tempo destaca o poder transformador do Hip-Hop feminism para mudar essa realidade, abrindo espaço para uma cultura mais inclusiva e igualitária.
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