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OPINIÃO | O Hip-Hop que não podemos esquecer

O ano é 1992, o local é uma escola da zona sul de São Paulo, na região do Jardim Miriam. Após uma série de apresentações de grupos de Rap, um jovem negro de 23 anos caminha pelo pátio do colégio carregando duas malas pesadas. Quem conhece o esquema e os bastidores do Rap brasileiro, que nem sonha com o reconhecimento que terá no futuro, sabe que carregar aquelas malas tem um outro peso: poucos DJs de Rap possuem os toca-discos profissionais que são carregados com orgulho pelo jovem. Muitos nem sequer chegaram a encostar num equipamento daquele, apenas viam nos bailes e em raros programas na TV.

Os toca-discos são as MKII Technics, seu dono, que agora já está do lado de fora da escola, é KL Jay, DJ de “um grupinho aí que está se destacando”, como ouvi de um dono de uma danceteria de playboy da capital paulista. O que preciso registrar aqui é que a falta de grana e acesso aos equipamentos profissionais de discotecagem nunca foi um empecilho para a criação do canto falado periférico. Outros grupos que se apresentaram naquele dia, na mesma escola, deram o máximo em suas apresentações, alguns conseguiram performances que empolgaram o público que amava um gênero musical que era desprezado por ser feito com manipulação de vinis, efeitos e equipamentos de gravação e reprodução.

KL Jay sabia disso, tinha o equipamento de ponta, mas tratava com respeito os outros artistas, que também eram dos primeiros fãs do Racionais. Todos criaram seus Raps e mandaram suas mensagens com o que tinham e o que sabiam naquele determinado período. Hoje, apesar de termos mais acesso à tecnologia, os equipamentos profissionais continuam caros. Os novos artistas, aqueles que desenvolvem suas músicas nas bordas das cidades, utilizam controladoras mais com preços mais acessíveis e outros até se apresentam apenas com notebook. Repito, sabemos que a cultura do Rap sempre valorizou o turntablism, mas o custo é muito alto.

Admiramos os DJs do Hip-Hop, entretanto, não podemos tratar com preconceito a arte de rua feita em outros moldes. Nada no Hip-Hop cresce independente das condições econômicas, raciais, de gênero e sociais. Do discurso ao equipamento, o artista é fruto do seu meio.

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