Especial | The Get Down: a história dentro da história
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Série mais cara da NETFLIX, ‘THE GET DOWN‘ é aula de hip hop e disco music com Grandmaster Flash. Falamos com os caras em Nova York!
POR RENATA SIMÕES (MUSIC NON STOP)*
Diagramação por Noise D
O que você faria por uma aula gratuita sobre o que é ser DJ com um cara como Grandmaster Flash, um dos criadores da porra toda? Então se prepare: “Quando pedem para eu tocar um set de hip hop, tem pop, rock, jazz, blues, funk, disco, R&B. Toco breaks de 20 gêneros diferentes. Isso é hip hop. Essa era a ferramenta que existia nos anos 70: para estar no topo, tínhamos de ter os discos. Se eu tivesse os hits, mais pessoas iriam à minha festa. Se fosse Kool Herc que tinha os discos quentes, as pessoas iriam à festa dele. O mesmo acontecia com Bambaataa. Como DJ, não havia nada mais importante do que comprar discos, porque os beats vinham de todos os lugares do mundo. Eu quero que as pessoas vejam isso na série. Talvez isso não mude a maneira como elas pensam, mas é minha responsabilidade dizer que existiu esse período que elas não conhecem”.
Nessa fala curta e grossa, Gradmaster Flash resumiu a essência do que era ser DJ “back in the day”, durante entrevista de divulgação de ‘The Get Down’, série da Netflix, assinada por Baz Luhrmann, que conta a origem do hip hop na Nova York dos anos 70. A série já é a produção mais cara da história do serviço de streaming, e os seis primeiros episódios da saga dos jovens do Bronx que acompanham o nascimento do hip hop enquanto descobrem o amor, a música, o grafite já estão disponíveis pra assistir. Os próximos seis episódios devem estrear apenas no primeiro semestre de 2017.
“Essa produção é sobre música e, em última instância, sobre como Nova York se transformou através da música. Não é apenas um tipo de música, havia disco e punk e todas as coisas que aconteciam naquele momento, a música porto-riquenha, a salsa”, diz Baz, que é australiano de nascimento e pautou sua carreira em musicais como ‘Moulin Rouge’ e ‘The Great Gastby’. Um ditado do rap diz que “a rua cobra”, por isso o branquelo cercou-se de pessoas relevantes para a consultoria histórica, musical, coreográfica e artística da série. O rapper Nas e os DJs pioneiros Kool Herc e Flash são alguns deles. Outro parça é Nelson George, historiador norte-americano do gênero.
“Há muitos movimentos culturais através da história, mas o hip hop mudou a maneira como fazemos música, como usamos a voz – há quem cresça rimando, assim como outros crescem cantando. O hip hop mudou como nos vestimos não uma, mas cinco ou seis vezes. Mudou as gírias, mudou como nos movemos, como dançamos, como percebemos a arte. E essa é a razão do seu impacto ser tão profundo e seguir até hoje. O hip hop tem muitas expressões”, ensina George.
A lista dos créditos finais é atração à parte. Nas, além da consultoria, assina a trilha original e os raps que o personagem Books executa. A história se passa em 1977 e em alguns momentos dá um pulo nos anos 90, quando há o estouro do rap no mercado musical norte-americano. É consenso entre equipe e consultores que a história da origem do hip hop nunca foi devidamente contada por Hollywood. A série começa nesse momento em que a disco music ainda reina nos clubs, enquanto nas ruas uma outra festa começa a acontecer. Isso é testemunhado por quatro amigos que gostam do grafite, fogem das gangues locais e chegam numa festa de rua com Grandmaster Flash, ainda desconhecido, discotecando. Tudo por causa de um remix raro de Misty Holloway que o personagem Books ‘compra’ para dar para sua amada, Mylene.
Baz tem um pé na cafonice noveleira, vide ‘Vem Dançar Comigo?’ e a versão adolescente de Di Caprio e Claire Danes de Romeu e Julieta. Em ‘The Get Down’ a história do movimento de rua, do bairro do Bronx e da Nova York quebrada financeiramente é entrelaçada pelo amor de Mylene, a filha do pastor que ser cantora de disco – interpretada pela cantora Herizen Guardiola em sua estreia no cinema – e de Ezekiel Books, que vai morar com a tia após a morte dos pais e tem talento nato pra escrever.
“Comecei a pesquisar mais sobre hip hop após iniciar o trabalho e foi um novo mundo que se abriu, descobri músicas de eras diferentes, que nem sabia existir”, disse ao Music Non Stop o ator Justice Smith, o Books na série.
Vasculhar esse universo transformou também a vida de outro ator da série. “O primeiro rap de que me lembro é ‘How You Like Me Know’, de Kool Moe Dee, ainda criança com as minhas irmãs. Até fazer ‘The Get Down’, não curtia tanto a música da East Coast, sempre fui 2Pac, por que iria ouvir Biggie? Trabalhando e vivendo em NY, estou indo atrás de muita coisa legal de hip hop e descobrindo coisas novas de disco”, explica Yayah Abdul-Mateen. Em ‘The Get Down’ ele é Cadillac, o rei da disco, das minas e do quarteirão, que cai de encantos por Mylene.
Imagens reais da época se intercalam com as produzidas para o show, e fatos históricos, como o apagão elétrico que deixou Manhattan no escuro, afetam a vida dos personagens. Grandmaster Flash é um personagem na série. “Baz pediu que eu ajudasse a escolher o tipo de equipamento que usávamos na época, e disse que precisavam dos beats para que meu personagem discotecasse. Confiei nele e dei a minha coleção. Então, quando Flash está ensinando Shaolin, the DJ, eles tinham as coisas que fizeram a minha história há 45 anos. Tive de ensinar meu personagem a fazer scratch, coloquei ele pra treinar muito até ele estar pronto”, contou Flash com exclusividade pro Music.
Baz remonta o surgimento do hip hop através do olhar de cinco jovens descobrindo a cena de música, festa, grafite e das ruas do bairro. Shaolin é o jedi que leva Ezekiel e seus amigos ao mundo que começa ali, junto com eles. “Quando procurava a linguagem para o show, minha inspiração foi criar uma narrativa em estilo hip hop, que passa por diversas ondas dramáticas que usam a música como contraponto. Isso é hip hop; pegar duas batidas diferentes e criar uma terceira. Nós estamos criando algo novo, e isso só é possível por causa da colaboração entre tanta gente”, diz o diretor.
Nelson George continua: “Temos três ou quatro histórias simultâneas que se envolvem com a música. A trilha não é papel de parede enquanto alguém senta num café, a ação acontece e você entende a motivação por causa da música, ela aumenta a sua compreensão da história, isso é único.” A série traz, além de Misty Holloway, Grandmaster Flash tocando “Apache”, a origem da cultura de pintar trens, DJs e seus bairros e outros detalhes que vão deixar os fãs do gênero encantados.
Para quem não é amante do hip hop, vale conhecer a história de um movimento artístico que nasceu em um ambiente quebrado financeiramente, desestruturado socialmente e que deu origem ao maior império da música norte-americana atual, o rap. Nos duros tempos em que vivemos, é bom lembrar o que Mano Brown já cantou: “Levanta a cabeça truta/ onde estiver seja lá como for/ Tenha fé porque até no lixão nasce flor”.
Ouça a trilha sonora da série “The Get Down”:
Confira o videoclipe “Get Down – Mandamentos Black”, que reúne vários artistas da cena hip hop brasileira:
Rapper Emicida visita ‘The Get Down’:
*A jornalista Renata Simões viajou a Nova York a convite da Netflix Brasil.
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