Murillo Zyess fala sobre sua carreira e inspirações em entrevista exclusiva para o Bocada Forte
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#RapBR #OrgulhoLGBT | Agora em Junho comemoramos o mês do Orgulho LGBTI+. Mais do que uma data para celebrarmos o fato de estarmos vivos no país que mais mata LGBTI+ no mundo, é uma época interessante para pensarmos e repensarmos nossas militâncias.
Para isso, convidamos o MC Murillo Zyess para uma entrevista exclusiva onde falamos sobre sua carreira enquanto MC gay no rap e sobre suas inspirações e experiências de vida. Murillo participou da cypher “Quebrada Queer“, lançada a duas semanas atrás pela Rap Box ao lado de Guigo, Harlley, Lucas Boombeat e Tchelo Gomez. Com 22 anos, o MC lançou seu EP de estréia “No Recinto” em Agosto de 2017 apresentando desde lá rimas com um flow muito próprio e letras tanto de valorização das LGBTI+ quanto de críticas ao cenário do rap nacional ainda conservador, machista e homofóbico. Confira:
Bocada Forte: Para começar, queria te pedir para contar um pouquinho sobre a sua carreira no rap até o presente momento. Como foi a caminhada até aqui?
Murillo Zyess: Certo! Me chamo Murillo, tenho 22 anos. Sempre fui uma criança musical, sempre fiz apresentaçõezinhas com meus primos pra família nos almoços de domingo (risos). Tive contato com o rap exatamente nesses eventos quando meu tio colocava Racionais pra tocar enquanto conversava com os amigos dele e eu ficava lá ouvindo. Na adolescência comecei a frequentar batalhas de Mc pra assistir meus primos que batalhavam e aquilo me despertou de uma forma surreal! Justamente por estar em conflito comigo mesmo em questão de entender minha sexualidade e me enxergar como negro, porque eu não me enxergava, e o rap, aquele cenário, aquelas letras me fizeram ter tudo isso explícito e fácil de ser entendido de imediato. Daí passei a consumir muito mais e até arriscava escrever alguns versos mas por falta de representatividade enquanto gay, não me via de forma alguma fazendo isso até o momento em que uma mina maravilhosa e autêntica chamada Karol Conká chegou na cena colorindo tudo e tudo passou a ser mais significativo pra mim. Mas a partir do momento que eu ouvi o EP “Modo Diverso” do Rico Dalasam eu tive certeza que ali era meu lugar e acho que foi questão de um mês ou dois até que eu coloquei minha primeira track na rua. Daí cada dia mais apaixonado pelo rap, conheci o Guigo, nos tornamos irmãos, compusemos juntos, fizemos “Dandara” que é um som do EP dele, fizemos vários shows, produzi meu EP [“No Recinto“], conheci outras pessoas maravilhosas com esse trampo, como por exemplo os meninos do QQ, Harlley, Lucas e Tchelo, e daí nossa sintonia foi de cara: criamos a cypher e em seguida o Coletivo.
BF: Sobre o Quebrada Queer, como foi essa ideia de vocês cinco se unirem? Você tem vários sons já gravados com o Guigo, mas como vocês todos se conheceram e tomaram a decisão de tramparem juntos?
Murillo: Depois de ter trampado com o Guigo lancei meu EP, e ele me levou até o Harlley. Trampamos juntos também no EP dele. Lucas eu conheci num desses shows que fiz com Guigo, Lucas estava participando também, e Tchelo eu trocava ideia pela internet mas nos conhecemos mesmo quando participei de um evento que ele estava organizando, daí a amizade foi só crescendo. Eu e o Harlley estávamos conversando sobre criar uma cypher com artistas gays porque não tinha ainda e tinham vários artistas pra isso. Daí começamos a levantar possíveis nomes, quando eu lembrei do Lucas e entrei em contato com ele. Daí por incrível que pareça o Tchelo me mandou mensagem uns dias depois me propondo de estar numa cypher gay (risos). Daí a gente só juntou as ideias. Tendo trabalhado com o Guigo por tanto tempo e por tê-lo como irmão, eu mesmo fiz o convite em seguida, fechado assim essa formação dos 5. A princípio era só uma cypher, mas a nossa sintonia foi tão da hora que ninguém quis parar por ali. E o Tchelo apresentou essa ideia de coletivo que foi inspirada nas minas maravilhosas do Rimas e Melodias. Daí a gente de cara já amou a ideia e se jogou.
BF: A cypher de vocês, bateu mais de 500k no YouTube, atingiu o topo das 50 virais no Spotify e vocês a apresentaram ao vivo nesse domingo em um evento lá no Aroche (um pico importantíssimo para nós, LGBTs, em São Paulo). Como você está sentindo toda essa repercussão da cypher? Na sua visão o que ela trará de bom tanto para o Hip Hop quanto para as LGBTI+?
Murillo: Nossa eu tô sentindo um mix de emoções. tá tudo muito insano e a ficha tá caindo aos poucos. Eu tô muito feliz de fato, muito grato, muito realizado com tudo isso. O show de domingo foi incrível, a energia foi surreal, e o que me deixa satisfeito em relação a importância de tudo isso é a representatividade que a gente tá proporcionando a muitas pessoas que não se viam, que não tinham referência. Foram várias mensagens de pessoas LGBTI+ que diziam que não ouviam rap e que passaram a ouvir a partir do momento que se viram em nóiz. E isso é incrível porque eu faço uma conclusão que a 5 anos atrás era exatamente isso que eu precisava sabe?!
até arriscava escrever alguns versos mas por falta de representatividade enquanto gay, não me via de forma alguma fazendo isso
BF: Tanto no seu Instagram quanto nos clipes você tem sempre um estilo bem próprio. O meu namorado e eu adoramos suas camisetas boy look (risos). A leitura que eu faço disso é não só de uma preocupação estética mas também de resistência tanto pelas rimas quanto pelas roupas, uma postura de afronta contra a homofobia na sociedade e no Hip Hop. Como você encara essa questão?
Murillo: Eu amo moda e provavelmente será algo que eu vou estudar no futuro, adoro criar meus looks, eu customizo, crio e tal. O look da cypher por exemplo, o meu foi idealizado e feito por mim, fui meu próprio stylist (risos). Exceto pelo casacão verde que era do Harlley e ele encomendou pra uma outra situação passada, mas quando eu vi eu já quis de cara (risos). Eu gosto dessa coisa de peças “chave” sabe, tipo uma cropped, saia e etc que pela maioria são taxadas como peças femininas – mas eu passei a ter uma outra visão sobre roupas, onde eu não consigo mais dar gênero pra elas. Passei a usar o que me faz me sentir bem: acho que é isso o necessário. E é justamente isso, um afronte sabe, que você tem que usar o que você quiser, e ninguém pode te faltar com respeito por conta disso. E também quebrar o estereótipo de que você precisa ser mais afeminado pra usar algo que é “destinado para mulheres” e/ou mais masculinizado pra usar algo que seja “destinado pra homens”. Acho isso um pensamento extremamente ultrapassado porque se trata apenas de roupas.
BF: Agora em junho comemoramos o mês do Orgulho LGBT que é um mês especial não só pra dar close na buatchy mas também para militarmos e articularmos nossas lutas. Para você, enquanto gay negro, quais devem ser os focos de nossas reflexões esse mês? Onde nós, LGBTs, devemos focar nossas atenções e esforços?
Murillo: Vale frisar que no verso do Tchelo na cypher é dito que “não é só close, é luta!“. Eu acho muito válido sim celebrarmos, comemorarmos nossa vida, nossa existência, nossas vitórias, porque estamos num país que mata LGBTI+ por ódio. Mas justamente por isso você tem que ter esse posicionamento militante: porque não vivemos só no mês de junho quando tem a parada [gay] pra comemorarmos – vivemos o ano todo. Precisamos impor respeito o ano todo, precisamos de emprego, precisamos de segurança, precisamos de igualdade. Nos posicionarmos para que alcancemos esses objetivos, para que tenham representantes de nós nos lugares de fala é necessário.
BF: Tanto na cypher quanto em “Liga o Mic” (com feat do Guigo e da Glória Groove) você fala sobre ser questionado dentro do rap por ser gay. Você poderia comentar um pouco sobre isso?
Murillo: Infelizmente no rap nacional existe muito preconceito, muito machismo, muita homofobia (e eu acho o maior dos absurdos porque o rap prega justamente o contrário no seu fundamento). Então quando se é gay, por exemplo, você tem que ser 2x, até 3x melhor pra conseguir destaque. Eu faço questão de expor isso sim nos meus versos porque a hipocrisia de muitos Mc’s, de muitos contratantes, de muitos produtores, reina! É ridículo! Mas se precisar ser 2x, 3x melhor a gente vai ser. Porque a gente entende o que é rap e pra que ele serve!
BF: Para finalizar, quais mensagens você gostaria de deixar para o seu público e para quem está conhecendo seu trabalho agora?
Murillo: Gostaria de agradecer o carinho de todos, dizer que me sinto muito honrado de estar onde estou e que nós seguiremos trampando pesado e resistindo!
Não deixe de conferir também:
– Guigo, do “Quebrada Queer”, fala sobre sua carreira, sobre ser MC LGBT e sobre as repercussões da cypher em entrevista exclusiva
– Análise de “Quebrada Queer” ao olhos (e ouvidos) de outra queer
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