Alternativo, Bissexual e “Weirdo as Fuck” – conheça Allure Dayo
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#RapBR #LGBTI | De Santos (litoral de SP), Allure Dayo (Vinícios Ribeiro) é MC e produtor musical bissexual que não tem medo de testar todo o potencial de sua criatividade. Escorpiano com 20 anos de idade participou de “Marco Zero” (do grupo Incógnito) e tem dois singles autorais: “Orkut” (com participação de Soull) e “Coração Lotado”.
Se em sua página no Instagram Allure se identifica como “rapper alternativo” e “weirdo as fuck” (“esquisito pra caramba”), em partes sua adolescência explica um pouco isso. Como escreveu em seu canal no Youtube: “Sua vida toda se sentiu deslocado e muitas vezes sozinho, por nunca se encaixar realmente em um grupo. (…) Não se encaixou em rolês com seus amigos ricos, não se deu bem em eventos de Anime, apanhou de muitos MCs nas batalhas e logicamente não teve sorte tentando se encaixar na sociedade. Entretanto, não importa o que acontecesse (…) Allure sempre aprendia lições muito valiosas e (…) conseguia fazer amigos incríveis”.
Conheci o trabalho do Allure através do Instagram e logo ouvi seu trabalho mais recente – “Coração Lotado”. Lançado no dia dos namorados, a faixa é surpreendente na medida em que o MC alterna descrições de cenas sexuais com outro homem com cenas sexuais com uma mulher, mostrando de forma criativa o que é ser bissexual, sem tabus.
Em entrevista exclusiva para o Bocada Forte conversamos sobre sua correria no rap, suas inspirações e suas visões enquanto bissexual.
Nascido em 1997, Vinícios diz que em 2004 já era bem ligado em música. Escutando o que seu pai e sua irmã mais velha ouviam na época (o R&B e o Black de artistas como R Kelly, Já Rule, Usher, Ashanti, Mary J Blige, Mariah Carey, Jay Z, Nas), se apaixonou pelo rap quando, através de um amigo, conheceu “Negro Drama” dos Racionais MC’s. Conversando com seu pai sobre isso, ganhou dele o DVD “1000 Trutas, 1000 Tretas” e daí não parou mais. Apesar desse amor, foi um filme do 50 Cent que fez seu sonho de rimar se aproximar da realidade.
“Tinha uma cena bem marcante dele [50 Cent] gravando em um estúdio dentro de casa. Por mais que ele não tenha uma influência direta nas minhas letra, essa cena me influenciou muito. Porque eu já queria começar no rap, mas achava ser algo muito longe de mim, não sabia como era feita uma música. Quando eu o vi gravando em casa, entendi que era totalmente possível”. Assim aos 12 anos começou a escrever várias letras de rap e aos 16 foi produzindo beats de forma experimental. Com muito estudo, treino e experimentação chegou à construção do Allure Dayo.
O Allure, mais do que um vulgo, é um personagem criado pelo Vinícios. Apaixonado por storytelling, quis incorporar isso em todas as faixas. Enquanto Allure, do inglês, veio por influência do uma música do Jay Z e significa “seduzir”, Dayo vem do iorubá e significa “quando chega a felicidade”.
Nas palavras do rapper: “Allure Dayo é um jovem adulto que vive em Santos e que nunca se identificou totalmente em um grupo de amigos ou um grupo social. Sempre foi migrando de grupo em grupo tentando se encontrar e se entender e aprendendo com cada pessoa desses grupos. (…) É um menino muito interessado em se entender e falar sobre isso. Ele tenta entender como se encaixar e como pode fazer isso”.
Ainda que inspirado em sua vida pessoal, aponta que existem diferenças entre si mesmo e seu eu-lírico, principalmente pelo fato do Allure Dayo ser uma construção e permitir ao Vinícios falar sobre diversos assuntos e temas que sozinho não conseguiria: “Abre um leque de assuntos bem interessantes e um leque para a minha criatividade por eu poder escrever a história dele”.
Bocada Forte: “Coração Lotado” é uma faixa incrível! Me chamou a atenção a criatividade e a liberdade poética que você usou na escrita, intercalando cenas de sexo com homens e mulheres. Como foi a composição desse som?
Allure: Tudo começou com esse termo “Coração Lotado”. Eu tinha escrita outra música com esse nome, mas não curti tanto. Deixei de lado, mas o termo ficou na minha cabeça. O tempo foi passando e chegando o dia dos namorados desse ano eu quis aproveitar algumas coisas que gosto e construir algo novo. Eu queria que fosse um som totalmente liberal, sem medo de falar e que enfatizasse o fato de ser um som bissexual para dar visibilidade às pessoas bi, mostrar o amor bissexual. Comecei com essa premissa, escrevi o primeiro verso de forma bem livre, super me divertindo. No começo só iria publicar uma poesia, mas resolvi usar o beat do som “Awkward” do Tyler, the Creator e gravar um vídeo curto, de um minuto, para postar no Instagram. Tive um feedback bem legal, muitas pessoas me pediram a música que eu ainda não tinha. Comecei a trabalhar na letra e a lancei no YouTube e nas plataformas de streaming.
BF: Tanto agora falando sobre a composição de “Coração Lotado” quanto no Making Of de “Orkut”, dá para ver a sua preocupação na construção dos significados da sua arte. Achei muito interessante no Making Of quando você diz “esse clipe é muito mais do que a gente rimando numa sala com fundo branco, cada elemento tem um significado diferente”. Como é isso? Quais significados você quer transmitir através da sua música? E como você entende essas construções de sentido?
Allure: Amo muito essa parada de usar significado e simbologia. É uma forma legal de passar uma mensagem e algo que já faço a um tempinho, ao menos tento. Gosto de abrir para a interpretação das pessoas. Elas acabam se esforçando para entender a letra, conversam entre si sobre ela, o que gera um buzz. E em cada situação busco um significado diferente. Uso metáforas, descrição de cenas e objetos. É uma forma de atiçara curiosidade, promover debates, abrir para interpretação e passar uma mensagem.
BF: Hoje como você enxerga sua inserção ai na cena de Santos? Como as pessoas tem recebido você e os seus sons ?
Allure: Já tenho um certo envolvimento com a cena de Santos e da Baixada desde 2016, quando comecei a frequentar as batalhas, conhecendo pessoas e, desde então venho colecionando amigos que também são músicos. Muita gente tem curtido o single “Coração Lotado”, que pegou muitos de surpresa por não esperarem uma faixa daquele modo. Então estou sempre com os artistas daqui seja produzindo, conversando, compondo. Sempre que posso estou em contato com o pessoal daqui e, através da internet, com o pessoal de outros lugares como RJ e SP capital. É bom sempre estar em contatos com outros artistas – são maneiras de melhorar e me esforçar para melhorar cada vez mais.
BF: Em agosto desse ano você deu uma entrevista para o portal BoqNews falando sobre racismo e bifobia e de como isso repercute na sua vida. Como você sente o peso de ser bissexual na cena do rap atual?
Allure: A comunidade LGBT tem ocupado um espaço muito importante e de uma forma incrível artisticamente falando, de militância LGBT dentro da cena rap atual, abrindo espaços para quem quiser entrar nesse movimento e nessa causa. É impossível ignorar trabalhos como o do Rico Dalasam. Nós seguimos quebrando paradigmas, preconceitos, padrões e qualquer coisa desse tipo. Hoje, sinto que há um espaço para a comunidade LGBT no rap e que isso tem sido cada vez mais conquistado. Enfim: seguimos lutando, mas já com muitas conquistas.
BF: Hoje quem são os artistas LGBTs que você mais tem acompanhado?
Allure: Eu escuto muita gente, mas lembrando agora de cabeça – Frank Ocean, Quebrada Queer, Rico Dalasam e Raphael Warlock.
BF: Hoje, ainda que o movimento LGBT avance cada vez mais, ainda temos problemas em nossa própria comunidade, como o pouco espaço de representação para todas as letras além do G e mesmo um grande silêncio a respeito das LGBTs negras. Na sua visão, quais pautas o movimento LGBT deve priorizar e porquê?
Allure: Acho que a grande massa de pessoas fora do movimento LGBT, e até mesmo dentro, associam automaticamente o movimento LGBT todo a figuras de homens brancos gays sendo que os danos causados pela lesbofobia, bifobia e transfobia não devem ser ignorados. Precisamos falar mais sobre a visibilidade das outras letras. Todos precisam de espaço e voz para falar sobre suas dores e espaço para lutarem por seus direitos. Essa é a maior pauta: a visibilidade de todo mundo e todo mundo junto lutando por um bem maior.
BF: Como você se enxerga no rap daqui 5 anos?
Allure: Não posso dizer como me enxergo porque não posso ver o futuro (risos). Mas gostaria de simplesmente viver de música. Eu amo música do fundo do meu coração. É o amor da minha vida. Esse bagulho é a minha vida. Poder passar uma mensagem dahora através das minhas letras, ver as pessoas se divertindo com as minhas músicas e poder participar da vida das pessoas através das minhas músicas. É assim que gosto de me ver daqui 5 anos. Tudo que vier depois disso é um lucro de outro nível.
BF: Poderia soltar alguns spoilers do que vem por aí? Novos singles? Uma mixtape?
Allure: No momento ainda não tem nada programado de single do Allure Dayo. Estou trampando em outros projetos de outros artistas (eu também sou produtor, então estou envolvido nos bastidores). Estou oficializando meu selo – BKN Records – onde vou trazer artistas bem legais que vou produzir. Logo menos o Allure Dayo volta com novos trabalhos, mas por enquanto a galera pode ir curtindo o “Coração Lotado”.
BF: Antes de fechar queria te perguntar, rapidamente: – Um livro? – Uma música? – Um filme ou série? – Uma inspiração?
Allure: De livros, gosto muito do “Deuses Americanos” do Neil Gaiman. Adoro a forma como a história é contada, os personagens, os assuntos abordados, adoro demais.
Uma música eu não conseguiria citar, mas posso citar meus dois álbuns favoritos de todos os tempos: “To Pimp a Butterfly” do Kendrick Lamar e “Take Care” do Drake. Ouvi ambos no repeat várias vezes, aprendi muito com ambos.
De filme não consigo me lembrar de nenhum de cabeça, mas de série eu gosto muito de “Atlanta” do Donald Glover. Acho linda a direção, o roteiro, a atuação, tudo. Amo muito “Atlanta”. E gosto muito de uma série brasileira chamada “Cidade dos Homens”, que foi bem famosa no início dos anos 2000, que está voltando agora. Me emocionei muito assistindo, chorei vendo essa nova temporada. Eu gosto muito dessa série, acompanhei por muito tempo. Ela me ajudou muito na minha identificação como menino negro na sociedade. Por mais que eu não more na periferia, sendo negro é algo independente: você vai passar por muitos preconceitos. O “Cidade dos Homens” me ajudou muito nesse sentido. Aproveitando, eu gosto muito de animações, anime, cultura japonesa e gosto muito de um anime chamado “Samurai Champloo” que conta com uma trilha sonora de rap incrível e, claro, meu anime favorido: “Death Note”.
A maior inspiração que eu posso ter são as pessoas que eu conheço, que escutam as minhas músicas. As pessoas e a música em si são minhas maiores inspirações.
BF: o que você gostaria de dizer para as pessoas que acompanham seu trabalho?
Allure: Eu diria para se conhecerem, se entenderem e para que sempre sejam elas mesmas. Se possível, porque não é uma tarefa fácil. Se tem algo nelas que não gostam, que busquem mudar isso e sempre buscar evolução aprendendo com os erros e buscando melhorar. Também para que dêem tempo para si mesmas para que possam pensar e voltar duas vezes melhores. E para que continuem acompanhando meu trabalho. Espero que curtam o que vem por aí!
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